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    Silvia Corrêa

    Critérios tortos

    26/05/2013 02h30

    Há alguns anos, ainda repórter da Folha, recebi o desafio de desvendar a fila da adoção de crianças no país. Afinal, qual é o grande gargalo?

    Foram dias de entrevistas para uma conclusão frustrante: há duas filas que nunca se encontram. Os casais que buscam filhos querem meninas, brancas e recém-nascidas.

    A fila de crianças à espera de pais e mães tem, principalmente, meninos, pardos e já com mais de seis anos.

    Não fosse por esse desencontro, não haveria crianças em abrigos no país, porque o número de candidatos a adotantes é quase o mesmo de crianças órfãs e abandonadas.

    Que espécie estranha somos nós, humanos, que damos valor à vida de acordo com critérios de beleza criados sabe-se lá por quem e assimilados como verdadeiros mantras.

    É assim com gente. É assim com bicho. Quando aparecem para doação, as ninhadas de filhotes rechonchudos não duram nem um dia nas gaiolas. Sempre há quem os queira levar. O problema é achar adotante para cães e gatos idosos, tortinhos ou malacabados, como define meu colega Jairo Marques.

    No que diz respeito aos bichos, imagino que a escolha possa ser explicada não só por nosso estranho desejo de ter por perto o que é socialmente considerado belo, mas também pela difundida crença de que filhotes nos darão mais alegria, e idosos, mais tristeza e trabalho.

    Ledo engano, sustenta a família norte-americana que adotou Misty, uma golden retriever de dez anos. Misty viveu com os novos donos por quatro anos e, com base nessa experiência, eles criaram o "The Senior Dog Project", um site que tenta intermediar adoção de animais idosos.

    Na página, a família lista uma dezena de motivos para optar pelos velhinhos. Diz, por exemplo, que cães mais velhos já sabem o que é "dentro" e "fora" de casa e não costumam fazer os tapetes de latrina. Exigem menos tempo e energia em adestramento e não são tão curiosos a ponto de esburacar todo o jardim.

    Cães idosos são capazes de dormir com você no sofá por toda a tarde de domingo, porque também precisam de longas sestas. Já conhecem a hierarquia das ruas e sabem o que é necessário para ser aceito na matilha. Tornam-se fiéis muito mais rapidamente, porque reconhecem o quanto a vida mudou para melhor.

    E, por fim, adotando um cão idoso você não corre o risco de ser ludibriado, porque já sabe exatamente o porte e o comportamento do animal que está levando para casa.

    Da próxima vez, dá para tentar um idoso, tortinho e malcabado?

    sílvia corrêa

    Formada em jornalismo e veterinária. Atuou por 13 anos na Folha. Co-autora de 'Medicina Felina Essencial' (Equalis) e 'A Caminho de Casa' (Ed. de Janeiro). Escreve aos domingos.

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