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    Silvia Corrêa

    Mesa farta, jardim esburacado

    19/10/2014 02h00

    Estou tendo problemas com um trecho de grama lá em casa. Ele fica numa curva, área que os cães invariavelmente pisoteiam quando estão correndo. Massacrada, a grama foi dando lugar à terra batida.

    Replantei. E aí, para minha enorme satisfação, os cachorros resolveram que os novos tapetes de grama eram o local ideal para eles cavarem e esconderem seus ossos. Não teria problema nenhum, se isso não fosse exatamente em frente à entrada principal.

    Ilustração Tiago Elcerdo

    Ossos escondidos no jardim não são uma novidade lá em casa. Há uma área, no fundo do terreno, que mais parece um queijo suíço. Eles cavam para deitar na terra fresca e, claro, para esconder as sobras -manifestação de um comportamento milenar.

    Os ancestrais de nosso cães sempre viveram do que conseguiam caçar. Não havia comida pronta, conservantes ou geladeiras. Nesse contexto, as sobras eram valiosas e deveriam ser preservadas. Acabaram debaixo da terra, onde a temperatura é mais baixa e elas estavam a salvo de moscas e urubus.

    Naturalmente lá em casa ninguém enterra comida. Mas ganham ossinhos de couro. E as sobras... vão para baixo da terra. A relação é direta: mais ossos, mais buracos.

    Exatamente por isso a primeira medida para tentar salvar os tapetes de grama foi reduzir a oferta de petiscos. Ajudou, mas não resolveu, porque, ainda que só sobrasse uma pontinha, era para lá que ela ia. Agora, coloquei obstáculos à escavação canina. Estamos nesse estágio.

    Não sei por que escolheram os novos tapetes como área de esconderijo. Talvez porque a terra estivesse mais fofa. Talvez porque viram o jardineiro plantando -e cães imitam pessoas quase na mesma intensidade que imitam outros cães. Essa é a pior notícia.

    A evolução havia varrido da memória genética de alguns de meus cães o ato de cavar. Mas, vendo os companheiros esconderem suas iguarias, eles decidiram tentar.

    Resultado: hoje, liderados pela vira-lata Pipa, todos sabem esconder um ossinho. Haja grama!

    sílvia corrêa

    Formada em jornalismo e veterinária. Atuou por 13 anos na Folha. Co-autora de 'Medicina Felina Essencial' (Equalis) e 'A Caminho de Casa' (Ed. de Janeiro). Escreve aos domingos.

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