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    Silvia Corrêa

    Obrigada, Pompom

    25/10/2015 02h00

    Ele vomitou e caiu no meio do jardim. Tivemos que buscá-lo fazendo do cobertor uma maca. Não se mexia, tinha um nível mínimo de consciência, e as mucosas estavam completamente sem cor. Parecia um pesadelo: Pompom, o cara mais legal do mundo, estava partindo.

    A reta final começara três meses antes, quando Pompom brigou com Lula, nosso pastor alemão, e rompeu o baço. Foi operado às pressas e a cirurgia revelou que o órgão estava fragilizado pela presença de um tumor bastante maligno. Pelos artigos científicos, a expectativa de vida desses pacientes é de 19 a 60 dias.

    Era o início de nossa corrida contra o tempo e contra o inevitável. Exames semanais, sucessivas transfusões de hemácias, plasma, plaquetas, o que ele precisasse. Foram muitas manhãs, muitas tardes, muitas noites tentando. Mas o câncer se espalhou, e Pompom sucumbiu a uma entre várias hemorragias.

    Já faz um mês que meu velho pit bull nos deixou, mas a dor me impedia de tocar no assunto. É dor física mesmo: um nó na garganta, um buraco no estômago, uma sensação de que falta uma parte de mim.
    Minha vida mudou e cabe só a mim decidir que não seja para pior.

    Tiago Elcerdo
    Ilustração Coluna Bichos

    Desde que Pompom partiu podemos abrir sem receio as portas da varanda, pois não há mais risco de haver briga. E os outros membros da matilha, que antes não entravam em casa, agora circulam livremente pela sala ou pela cozinha.

    Para eles, foi renovador. Bebê, a velha golden retriever (sim, são todos velhos), parou de lamber compulsivamente a pata e se livrou do colar, pois agora ganha muito mais carinho. A poodle Sarah está inacreditavelmente mais calma, e Protegilda, a vira-lata mais linda do mundo, a cada dia menos medrosa. Até Lula, o briguento com dois tumores na cabeça, parece mais alerta com a chance de explorar novos ambientes.

    Pompom tinha muito medo de raios e trovões, o que me deixava tensa quando o céu começava a fechar. Mas, desde que ele partiu, eu perdi o meu medo da chuva.

    Pompom me deu várias lições, e a última delas foi que até os piores momentos da vida têm um lado bom. Mas a gente precisa querer ver.

    sílvia corrêa

    Formada em jornalismo e veterinária. Atuou por 13 anos na Folha. Co-autora de 'Medicina Felina Essencial' (Equalis) e 'A Caminho de Casa' (Ed. de Janeiro). Escreve aos domingos.

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