Escrevo habitualmente diante da televisão. E, no último domingo (17), sons e ideias se confundiram. "Deputado Pompeo de Mattos... Deputado Pompeo de Mattos. Deputado Pompeo de Mattos não está presente."
Costumava ser assim meu café da manhã: sem ninguém. Afinal, quem quer sair da cama às 5h30? Em agradecimento pela companhia, passei a dar um pedacinho de torrada a quem fizesse o monumental esforço.
A vira-lata Protegilda puxou a fila. E, hoje, menos de um mês depois, tomo café cercada de quatro das minhas meninas. Dizem que todo animal é adestrável. Até o mais estúpido e agressivo deles. Mas alguns casos são muito difíceis...
"Deputado Jair Bolsonaro, como vota? Contra o comunismo... Pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra... Meu voto é sim."
Na TV, o deputado do PSC do Rio dedica seu voto ao coronel condenado por comandar sequestros e torturas durante o regime militar.
No animal, os segredos são a repetição do comando e, principalmente, o reforço positivo. Ele cumpre a tarefa. E espera algo em troca.
"Deputado Paulo Maluf: presidente, meu voto é sim."
A recompensa deve ser oferecida imediatamente, para que o animal a associe com sua resposta correta.
"Deputado Eduardo Cunha: sim."
Nunca ofereça recompensa antes de completar o comando e evite mostrá-la até que a ação seja executada, sob risco de mudar de ideia. "Deputado Alfredo Nascimento: sim."
Nas primeiras sessões, você precisará encher o bolso de petiscos. Mas, com o tempo, verá que o animal segue comandos verbais prontamente, pois sabe que receberá, em algum momento, deliciosa recompensa. "Deputado Vicentinho: não. Deputado Vicentinho, PT, vota não."
Para algumas espécies, o silêncio é fundamental. É o caso do adestramento de cavalos, que se assustam com qualquer barulho. Outros, no entanto, ainda que a plateia seja ruidosa, cumprem à perfeição a tarefa. É o caso dos que se apresentam em circos. "Deputado Tiririca, do PR de São Paulo, vota sim."
Independentemente da espécie, vale a máxima do reforço positivo: todos esperam uma recompensa.
Formada em jornalismo e veterinária. Atuou por 13 anos na Folha. Co-autora de 'Medicina Felina Essencial' (Equalis) e 'A Caminho de Casa' (Ed. de Janeiro). Escreve aos domingos.