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    Silvia Corrêa

    Você quer mesmo um bicho de estimação, que exige atenção e gastos?

    18/06/2017 02h00

    A imagem dos três cães amarrados a uma lixeira do bairro da Aclimação ganhou a internet nesta semana e, mais uma vez, trouxe à tona o drama do abandono de animais.

    Basta uma rápida busca na rede e as histórias se multiplicam: cães e gatos abandonados na linha do trem, despejados do carro no meio da estrada, presos em imóveis fechados, deixados para trás nos meses de férias.

    O abandono não é um problema brasileiro. Os abrigos estão lotados em todas as capitais do mundo.

    Por aqui há uma carência absoluta de dados. O que se tem é uma estimativa bem capenga da OMS (Organização Mundial da Saúde), feita em 2014, segundo a qual há cerca de 30 milhões de cães e gatos nas ruas do país: seria um animal abandonado para cada dois deles domiciliados, considerando também os números do IBGE (Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

    O desafio é entender os motivos por trás desses nosso comportamento tão tipicamente (des)humano e, assim, quem sabe, tentar minimizá-lo.

    É isso o que a Fundação Affinity tenta fazer desde 1988. Periodicamente, o instituto estima o número de animais abandonados na Espanha, analisa o perfil dos animais recolhidos pelos abrigos e entrevista as pessoas que decidem deixar os bichos nesses locais, perguntando quais as razões que as levaram a tomar essa decisão.

    Na Espanha, bem diferente do que acontece aqui, de cada três animais abandonados, ao menos um é levado até o abrigo pelo (ir)responsável que decidiu abrir mão de sua companhia. Cruel, mas ainda assim melhor do que deixá-lo no meio na rua.

    São essas as pessoas entrevistadas. O último levantamento da Affinity indica que problemas de comportamento estão por trás de 14,8% dos casos de abandono, mesmo índice de ninhadas indesejadas (14,5%).

    Depois, vêm problemas financeiros (11,9%), fim da temporada de caça e de uso de cães de caça (10,1%), mudança de endereço (9%), perda de interesse pelo animal (8,2%), falta de espaço (6,6%), alergia (5,8%), doença ou morte (5,7%), perda do emprego (3,8%), nascimento (2,6%), férias (1,6%), gestação (1%) e outros motivos (4,3%).

    É assustador. Claro que há problemas de comportamento adquiridos até em decorrência do avançar da idade do bicho, mas muitos podem ser evitados com adestramento precoce e cuidadoso estudo sobre as características de cada espécie/raça antes da compra ou da adoção.

    Ou seja: o animal acaba abandonado porque o responsável fez uma aquisição impulsiva (comprou uma vida como se comprasse uma cadeira) ou nunca dedicou tempo à saúde dessa relação.

    O segundo motivo é ainda pior: ninhadas indesejadas só acontecem se o animal não foi castrado, o que é exclusivamente responsabilidade do dono, ou se ele foi para a rua sem supervisão, o que caracteriza posse irresponsável.

    Isso sem falar nas justificativas hediondas, como falta de utilidade dos cães após a temporada de caça, perda de interesse pelo animal (?!) e férias!

    Ou seja: a única forma de reduzir o problema é investir na educação. Talvez seja o caso de pararmos de falar o quanto é delicioso e saudável ter bichos de estimação (sim, é o que eu acho!) e iniciarmos uma venda negativa, repetindo à exaustão que animais requerem investimento de tempo e de dinheiro.

    Portanto, antes de levar um bicho para casa, pense bem: por mais de uma década ele exigirá atenção (mesmo quando você chega cansado do trabalho), espaço e gastos com ração e veterinário, para listar o mínimo. Quer mesmo encarar?

    Rodrigo Fortes
    sílvia corrêa

    Formada em jornalismo e veterinária. Atuou por 13 anos na Folha. Co-autora de 'Medicina Felina Essencial' (Equalis) e 'A Caminho de Casa' (Ed. de Janeiro). Escreve aos domingos.

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