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    Silvia Corrêa

    Só 11% dos donos de cães e gatos levam seus animais a consultas preventivas

    22/10/2017 02h00

    Rodrigo Fortes

    Minha cunhada ligou cedo dizendo que Flor estava estranha havia alguns dias. Respirei fundo. Talvez essa tenha sido a frase que mais escutei no consultórios nos últimos anos: "Meu gato está estranho, doutora". Estranho como? Estranho. Normalmente, os donos de gatos não sabem detalhar o que percebem. Mas, em geral, eles estão certos.

    Fui ao encontro de Flor. Ela estava deitada em uma das cadeiras da sala, como de costume. O pelo branco seguia bem higienizado e os olhos levemente ramelentos, como sempre foram, desde que Flor fora adotada da rua, 12 anos atrás.

    Tentei novamente entender a estranheza. Vieram algumas pistas. Antes, bastava alguém entrar no quarto que Flor saltava da cama. Nos últimos dias, seguia deitada. Ninguém a havia visto passear no quintal naquela semana. E os olhos, bom, eles pareciam mais tristes do que o habitual. Era só. Estava comendo, bebendo, fazendo xixi e coco.

    Examinei Flor. Quase tudo normal, exceto por uma região endurecida lá dentro do abdômen. No ultrassom, o tumor apareceu. Parecia ter cerca de três centímetros.

    Inicialmente, a família titubeou entre operar ou não. Mas, dois dias depois, quando ela começou a comer cada vez menos, a decisão foi tomada.

    Na cirurgia, a triste surpresa: o tumor tinha mais de dez centímetros e estava aderido a inúmeras alças intestinais, que começavam a ser comprimidas. Em poucos dias, Flor não conseguiria defecar.

    Os detalhes técnicos são dispensáveis. Ela perdeu a maior parte do intestino, não conseguiu acordar da anestesia e nós perdemos Flor, que parecia estar ótima uma semana antes daquela triste quarta-feira.

    Ótima? Na natureza, gatos são presas fáceis de inúmeros animais. A seleção natural os ensinou a esconder a doença e a fragilidade. Quando um gato dá sinais de que algo vai mal, em geral, vai muito mal. E os sinais podem ser bastante discretos.

    O tumor cresceu ao longo de meses à sombra de nossa cegueira para a prevenção. É um mal nacional. Uma pesquisa do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Saúde Animal mostra que só 24% dos donos de cães e gatos levam seus animais para consultas periódicas com o medico veterinário. Mas, quando são excluídos os bichos sob tratamento prolongado, o grupo cai a 11%.

    Alguns vão dizer que isso é lobby da indústria para vender mais remédios. Que seja: vamos dobrar os números. Menos assim, não chegarão a 25% aqueles proprietários que fazem algum tipo de prevenção. O resto trata a doença. O problema é que muitas vezes é tarde demais.

    *

    Em tempo: quando foi a última vez que o seu gato foi ao veterinário?

    sílvia corrêa

    Formada em jornalismo e veterinária. Atuou por 13 anos na Folha. Co-autora de 'Medicina Felina Essencial' (Equalis) e 'A Caminho de Casa' (Ed. de Janeiro). Escreve aos domingos.

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