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    Suzana Herculano-Houzel

    Perdão

    18/02/2014 03h39

    Diz a oração cristã que devemos perdoar a quem nos ofendeu (assim como esperamos o perdão divino às nossas ofensas, claro). De fato, a neurociência já sabe que perdoar –tanto pontualmente como por hábito– favorece o bem-estar e a saúde cardiovascular. O perdão põe fim ao estresse causado pelo ódio crônico, que estimula a produção de hormônios de estresse, perturba o sono, aumenta o risco cardiovascular e de depressão e ansiedade.

    O que acontece no cérebro que perdoa? Um estudo italiano recrutou voluntários para seguir um roteiro que os orientava a imaginar situações de ofensas pessoais, e em seguida os instruía a perdoar o inimigo imaginário ou, ao contrário, os incitava a planejar vingança. Tudo isso acontecia dentro de um aparelho de ressonância magnética, que permitia à equipe acompanhar as mudanças de atividade no cérebro dos voluntários enquanto eles perdoavam ou não.

    O estudo mostrou que tanto o perdão quanto a vingança envolvem ativação nas mesmas estruturas –mas de maneiras diferentes. O perdão ocorre quando a ativação do córtex pré-frontal dorsomedial, que regula nosso comportamento emocional, é comandada por duas estruturas que nos permitem adotar o ponto de vista do agressor e reavaliar o estado emocional deste: o precuneus e o lobo parietal inferior, respectivamente. Isso fomenta a empatia, que coíbe ímpetos de retaliação via o córtex pré-frontal, e traz um estado emocional positivo: o alívio do perdão concedido.

    Se não há perdão, o córtex pré-frontal dorsomedial também é ativado, mas sob o controle do giro temporal medial, e não do precuneus e do parietal inferior (que também estão ativos, mas ocupados em julgar o agressor um vilão). O giro temporal medial representa a intenção alheia –nesse caso, de nos fazer mal. Como a agressão foi intencional e não temos empatia com o vilão, o cérebro faz o que é mais sensato: odeia ativamente quem o insultou, sem perdão.

    Perdoar, portanto, não depende dos fatos, e sim da nossa avaliação –consciente– da intenção e das emoções de quem nos ofendeu. Quer perdoar? Coloque-se no lugar do outro. Não quer perdoar? Recuse-se a ver o insulto pelos olhos do seu agressor –o que, francamente, em alguns casos é a coisa sensata a fazer. O perdão católico universal não nos mantem a salvo de quem não presta. Ruminar o ódio faz mal, mas ainda há saída: banir o infrator da sua vida e mente. Quando não há perdão, a distância ajuda.

    suzana herculano-houzel

    Carioca, é neurocientista treinada nos Estados Unidos, França e Alemanha.
    Escreve às terças, a
    cada duas semanas.

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