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    Suzana Herculano-Houzel

    Mais que ironia: sarcasmo

    18/03/2014 02h45

    Eu tenho um lado Sheldon Cooper, o personagem socialmente desajustado do seriado "The Big Bang Theory": como ele, que é sacaneado pelos amigos sem se dar conta, muitas vezes eu também preciso que alguém levante uma plaquinha dizendo "sarcasmo" para me ajudar. Até meus filhos a esta altura já têm um detector de sarcasmo melhor do que o meu.

    O problema é que, se entender ironia já dá trabalho, identificar o sarcasmo é pior ainda. Na linguagem, ironia é o uso intencional de palavras que tem o oposto do sentido que se quer transmitir. Já o sarcasmo é o uso de ironia com a intenção de insultar alguém ou de demonstrar irritação ou desprezo.

    Um estudo japonês publicado em 2013 explica por que detectar ironia e, pior ainda, sarcasmo, dá tanto trabalho ao cérebro. O estudo, com voluntários expostos a diálogos mais ou menos irônicos ou sarcásticos de dentro de um aparelho de ressonância magnética funcional, mostrou que o processo envolve muito mais do que o simples registro de incongruência entre as palavras usadas e o contexto (como dizer que algo obviamente hediondo é lindo).

    Entender a ironia de um comentário envolve a ativação do giro temporal superior, uma estrutura que permite a representação do estado mental dos outros e, com isso, a interpretação de intenções alheias – como a de agredir com palavras. Ao mesmo tempo estão ativos o giro temporal inferior, mais abaixo, e o córtex pré-frontal medial, que representam o contexto da situação.

    Se há humor na situação, aumenta a ativação do córtex pré-frontal dorsolateral. E ao contrário, quanto mais emocionalmente contundente é a ironia percebida, maior é a ativação na amígdala, que representa tanto o estado emocional próprio quanto o alheio.

    Entender o sarcasmo, portanto, requer o trabalho integrado de ao menos quatro sistemas distintos do cérebro que representam contradições na linguagem, o contexto da conversa e a intenção e o estado emocional do autor do sarcasmo.

    Até a ironia eu chego sem o menor problema, e aprecio seu humor. Mas, como tenho dificuldade em identificar quando a intenção é negativa, acho exasperante lidar com pessoas que abusam de sarcasmo.

    Minha saída é me cercar de pessoas gentis, como meu marido e amigos, que já notaram minha tendência a ficar com o olhar perplexo enquanto tento decidir se estão curtindo com a minha cara ou não, e que então levantam uma plaquinha para mim: "sarcasmo"...

    suzana herculano-houzel

    Carioca, é neurocientista treinada nos Estados Unidos, França e Alemanha.
    Escreve às terças, a
    cada duas semanas.

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