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    Suzana Herculano-Houzel

    Na expectativa

    08/07/2014 01h56

    O neurocientista Robert Sapolsky, especialista em estresse, gosta de dizer que zebras não sofrem de úlceras.

    Segundo ele, a razão é que zebras vivem no presente: ou pastando tranquilamente ou em um baita surto de adrenalina, correndo do leão, mas sempre alegremente ignorantes do que lhes espera e, portanto, livres do estresse crônico da incerteza –e de úlceras.

    Antecipar o futuro e preocupar-se desde já com o que pode vir a ser é, segundo Sapolsky, prerrogativa humana. Acho pouco provável que seja, mas isso é outra história. A da vez é a expectativa em si; o bem (e o mal) que ela pode trazer e como tudo isso depende apenas da cabeça de cada um.

    Um jogo de futebol, por exemplo, poderia ser encarado como apenas o jogo que é: um evento esportivo, cercado de regras arbitrárias, onde dois punhados de jogadores têm duas sessões de 45 minutos para disputar quem tem maior controle sobre uma bola. No entanto, a partir do momento em que há dinheiro, honras nacionais e rivalidades em questão, a expectativa do jogo assume proporções suficientes para abalar jogadores e causar infartos até em quem não está em campo.

    Esse é o poder da expectativa: a ansiedade causada pela projeção do confronto para um futuro próximo coloca o cérebro em guarda, tenso, antes mesmo de o conflito passar a existir. Mas só se o evento antecipado for, de fato, considerado um conflito. Convença-se de que Brasil x Alemanha é apenas mais um jogo, e o sofrimento será menor. Isso é o que nós, torcedores sem nenhum poder sobre o resultado do jogo, podemos fazer.
    Para quem está diretamente envolvido, no entanto, menosprezar o conflito, ou o adversário, é desperdiçar a oportunidade de aproveitar o melhor da ansiedade, que é a chance de se preparar, de se informar, de conhecer o inimigo e estudar como melhor vencê-lo.

    Sem isso, a ansiedade é apenas sofrimento antecipado, deixando o cérebro à mercê da sua percepção do problema. Se for contida, o órgão responde preparando o corpo para agir, com mais vigor muscular e capacidade de atenção.

    Mas se a percepção do estresse for grande demais, a atenção voa, os músculos tremem, o desempenho sofre, a preocupação toma conta no gramado. A saída é transformar a ansiedade em aliada, com informação e preparação prévias, para manter a sensação de controle mesmo no pior do jogo. E se for assim... Que vença o melhor!

    suzana herculano-houzel

    Carioca, é neurocientista treinada nos Estados Unidos, França e Alemanha.
    Escreve às terças, a
    cada duas semanas.

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