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    Suzana Herculano-Houzel

    Tecnologia e boas aulas

    02/09/2014 01h30

    Na semana passada recebi mais um e-mail circular do instituto onde trabalho incitando os professores a aprender a usar novas tecnologias em sala de aula. Parece que nós não estaríamos sabendo entreter os alunos "modernos" em sala de aula. O "velho" modelo de aula estaria falido. Precisamos recorrer a novas tecnologias para manter os novos alunos interessados, é a mensagem.

    Discordo veementemente. Não porque ache que tecnologias modernas sejam ruins ou nocivas. Muito pelo contrário: basta começar pela definição de tecnologia. O termo descreve ferramentas, máquinas e procedimentos que ajudam na resolução de problemas. Hoje pensamos em smartphones, tablets e computadores, mas um dia a tecnologia foram rádios e telefones, e bem antes disso, as hoje simples facas.

    Por definição, a tecnologia nos oferece novas possibilidades, inclusive de aprendizado. Muitas são altamente eficazes: basta ver a facilidade com que crianças (e adultos) aprendem sozinhos a explorar novos ambientes virtuais, descobrem regras, padrões, associações de causa e efeito, desenvolvem planejamento e estratégia, assimilam novos conteúdos –tudo isso, quem diria, jogando videogames.

    Minha bronca não é com a tecnologia, mas com extremismos para ambos os lados. Assim como a tecnologia não é o demônio que vai acabar com a educação (o e-mail não acabou com a escrita, assim como o rádio não acabou com a leitura), ela também não é a panaceia universal.

    Um estudo publicado em 2002 mostrou que introduzir computadores em sala pode piorar o aprendizado dos alunos quando professores e conteúdo já são bons. Desde então, programas projetados especificamente para melhorar o aprendizado de línguas ou matemática na escola em geral deixam a desejar, segundo uma revisão publicada por Daphne Bavelier em 2010.

    Da mesma forma, DVDs feitos para "educar" crianças, com nomes sugestivos como Baby Einstein ou Brainy Baby, não só não aumentam o vocabulário das crianças como ainda prejudicam o desenvolvimento da linguagem.

    Ao menos neste quesito, nada é tão eficaz quanto falar com o pai e a mãe que, mais do que apenas repetir palavras, ensinam a pensar, a juntar ideias, a construir conceitos.

    Como bons professores, aliás. Claro, há aulas que ganham com vídeos e animações. Mas muitas vezes não é preciso tecnologia mais avançada do que quadro e giz para ensinar alunos a pensar. O que é preciso são professores melhores.

    suzana herculano-houzel

    Carioca, é neurocientista treinada nos Estados Unidos, França e Alemanha.
    Escreve às terças, a
    cada duas semanas.

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