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    Suzana Herculano-Houzel

    Lágrimas de resolução

    01/04/2015 02h00

    O que lágrimas de tristeza e de felicidade podem ter em comum, se parecem coisas opostas? Eu diria que elas marcam a resolução de um problema que deixava o cérebro apreensivo, tenso, aguardando o resultado de um jeito ou de outro.

    Lágrimas são produzidas pelas glândulas lacrimais em resposta a estimulação parassimpática, sob controle do hipotálamo. O sistema nervoso parassimpático é aquele que faz o contrário do simpático, responsável por colocar o corpo em um estado de alta disponibilidade energética, pronto para a ação: o parassimpático relaxa o corpo, reduzindo a frequência cardíaca e a pressão arterial.

    Nervos parassimpáticos aumentam ligeiramente a produção de lágrimas, sob controle do hipotálamo, quando os olhos estão secos ou sob algum tipo de agressão. Mas, recebendo sinais de outras partes do cérebro, o hipotálamo causa uma ativação parassimpática bem mais intensa e generalizada, levando à produção de tantas lágrimas que elas transbordam e rolam rosto abaixo e escorrem nariz adentro.

    E então, com a ativação parassimpática, o corpo todo começa a se acalmar, até parar de chorar - o alívio dos alívios, a resolução final. Não é que chorar necessariamente acalme; mais provavelmente, é aquilo que causa o choro que também acalma o corpo.

    E o que causa o choro? A pouca evidência implica alguma parte do córtex pré-frontal, o que casa com a minha inferência a partir de dados comportamentais: o choro vem com a resolução, não importa se feliz ou infeliz, de estados de alta tensão (e forte ativação simpática, que prepara o corpo para agir se preciso). Estes são estados de intenso esforço de controle cognitivo, seja para se manter focado sobre uma ação necessária, para suprimir ações e emoções negativas (como a própria vontade de chorar) ou simplesmente manter a concentração sobre o objetivo da vez, apesar dos pesares.

    Quando a situação subitamente se resolve e todo aquele esforço mental deixa de ser necessário, um surto de ativação parassimpática desfaz todo o circo simpático armado no corpo - e, de tão intenso, acaba trazendo as lágrimas. Ah, o alívio. O resultado pode até ter sido ruim, mas agora o cérebro não precisa mais se segurar.

    Por isso chorar pode fazer um bem danado: não pelas lágrimas em si, mas porque se elas rolam, é porque o cérebro parou de fazer força para se segurar e pode, finalmente, relaxar.

    suzana herculano-houzel

    Carioca, é neurocientista treinada nos Estados Unidos, França e Alemanha.
    Escreve às terças, a
    cada duas semanas.

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