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    Suzana Herculano-Houzel

    Atenção demais

    15/04/2015 02h00

    O pessoal aqui de casa andou reclamando que, quase toda vez que vinham falar comigo, eu lhes pedia para repetir o que haviam acabado de me dizer ou perguntar, pois eu só conseguia recuperar mentalmente o final da frase.

    Estaria eu ficando surda já aos 42 aninhos?

    A resposta, minha suspeita confirmada por um neurologista, não era nem surdez, nem distração. O diagnóstico? Atenção demais.

    Atenção é o nome de algo que o cérebro faz o tempo todo em que está acordado: priorizar um, e só um, de todos os processos mentais, sensoriais ou motores daquele momento, de quebra tornando-o consciente.

    O que exatamente recebe o foco da atenção, único como o de uma lanterna, pode tanto mudar constantemente, ao sabor dos acontecimentos, quanto permanecer concentrado por dezenas de minutos apesar de várias distrações em potencial competindo por esse foco. E pode estar tanto do lado de fora (no mundo) quanto do lado de dentro do cérebro (em nossos pensamentos).

    É possível não estar atento a nada em particular, claro. Nesse estado, ganha nossa atenção quem falar primeiro: algo que subitamente se move na paisagem, uma frase em particular no rádio, a pergunta que vem do banco de trás, alguém que chama nosso nome. Mas mesmo quem está aparentemente distraído pode estar, na verdade, absorto em seus próprios pensamentos.

    O mecanismo que permite que o foco da atenção seja mantido apesar de distrações é, além do processamento privilegiado do que está no foco, uma supressão ativa das informações não relevantes. O resultado é um aumento de contraste, ou do que a engenharia chama de razão sinal/ruído da informação: o que importa (o sinal) é processado com mais sensibilidade e rapidez, enquanto o resto (ruído) é suprimido.

    Acontece que eu tenho anos de prática em supressão de ruídos. Ao voltar ao Brasil, 16 anos atrás, trabalhei em uma sala feita para seis pessoas, mas que abrigava 13. Meu laboratório deveria comportar oito, mas somos 15. Por prática e necessidade, virei craque em ignorar o que acontece enquanto estou focada em meus pensamentos à frente do computador. Só volto ao mundo externo se ouvir meu nome.

    Daí minha sugestão para lidarem com minha surdez seletiva em casa: em vez de já chegar falando, é só primeiro me chamar ou parar ao meu lado. Aí minha atenção é toda deles...

    suzana herculano-houzel

    Carioca, é neurocientista treinada nos Estados Unidos, França e Alemanha.
    Escreve às terças, a
    cada duas semanas.

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