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    Suzana Herculano-Houzel

    O porquê disso tudo

    22/12/2015 02h00

    Eu tinha não mais do que oito anos quando descobri que todo mundo morre. Minha mãe me encontrou em prantos, já vestida com o uniforme da escola mas nem de longe pronta para sair: ir para a escola por quê? Para quê tanto esforço, se no final todo mundo morre? Para que, enfim, nascer?

    A resposta da mamãe não só me convenceu como ficou comigo até hoje. "Querida, realmente não faz sentido, mas eu te garanto que as alegrias que a gente colhe ao longo da vida - conhecer seu pai, ver você nascer, fazer você sorrir - fazem tudo valer a pena."

    Minha mãe nunca foi cientista, mas, vinte e tantos anos de experiência como neurocientista depois, digo que ela acertou em cheio. Sentido, de fato não há algum em viver. A história da vida na Terra ensina que não há propósito na evolução: seres não se tornam adaptados para uma função ou ambiente, eles apenas permanecem e deixam descendência (sempre com umas novidades aqui e ali) se funcionaram bem o suficiente naquelas circunstâncias. Em retrospecto, fica até uma impressão de desígnio. Mas é pura impressão.

    E assim como não há propósito, também não há futuro: o destino certo de todas as espécies é a extinção, se não natural ou causada por outras (como a nossa), então ao serem engolidas pela explosão inexorável do nosso Sol, prevista para daqui a uns 6 bilhões de anos.

    Seria lógica suficiente para levar qualquer um ao suicídio e assim evitar gastos desnecessários de energia ou aporrinhação - ou, optando-se pela vida, para chutar o balde e dizer "dane-se!" a qualquer tentativa de desacelerar o aquecimento global só para dar uma chance melhor às gerações futuras, igualmente desprovidas de propósito.

    Por sorte, o cérebro não é pura lógica. Temos em seu cerne um conjunto de estruturas, o sistema de recompensa e motivação, que premia algumas de nossas ações - justamente aquelas que prolongam nossa existência - com uma sensação inequívoca de satisfação, prazer e felicidade. É a alegria do presente e a expectativa decorrente de um pouquinho mais de prazer que nos mantêm em movimento e interessados em permanecer assim e, portanto, vivos.

    Em última análise, é a promessa de uma nova alegria, completamente ilógica, que dá sentido à nossa vida. E, de forma magistralmente circular, tal qual os circuitos do cérebro, o sentido da vida é descobrir o que mais nos dá alegria. Minha mãe estava certíssima.

    Um ano novo cheio de sentido para você, leitor.

    suzana herculano-houzel

    Carioca, é neurocientista treinada nos Estados Unidos, França e Alemanha.
    Escreve às terças, a
    cada duas semanas.

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