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    Suzana Herculano-Houzel

    Cabeça de passarinho

    21/06/2016 02h23

    Como é possível que alguns pássaros tenham comportamentos que parecem tão inteligentes quando eles possuem, bem, cérebros de passarinho, pequeninos?

    Corvos e papagaios são animais notoriamente comparáveis a primatas em sua capacidade de guardar informações, usá-las para resolver problemas, planejar para o futuro, fazer ferramentas, e até mesmo reconhecerem a si mesmos no espelho. Mas possuem "cérebro de passarinho", pequeno se comparado com cérebros de primatas de desempenho semelhante. O cérebro do corvo, por exemplo, é do tamanho do cérebro de um sagui - menor do que a ponta do seu polegar.

    Uma possibilidade seria o cérebro dos pássaros ser "especial" – como se dizia do humano, para explicar nossa cognição tão complexa alcançada por um cérebro muito menor do que de elefantes e baleias. O cérebro das aves, portanto, seria "completamente diferente". De fato, ele não tem um córtex cerebral em camadas como o dos mamíferos, e sim uma organização interna à primeira vista bastante diferente, em zonas esféricas.

    Mas um estudo alemão publicado três anos atrás mostrou que, apesar disso, a organização funcional do pálio do pombo, o correspondente ao córtex dos mamíferos, é idêntica à organização do córtex de ratos, gatos, macacos e humanos. Os centros funcionais são os mesmos, e conectados do mesmo jeito; apenas a disposição espacial é diferente, ora em camadas, ora em esferas. Aves não são tão diferentes assim.

    Outra possibilidade era o pequeno cérebro das aves ocultar um número bem maior de neurônios, as unidades de processamento de informação no cérebro. Como contar neurônios é nossa especialidade, resolvemos estudar essa possibilidade, unindo forças com o neurocientista tcheco Pavel Nemec, o pós-doutorando Seweryn Olkowicz, e mais um grupo da Universidade de Viena, na Áustria.

    O veredito foi publicado semana passada na PNAS, revista da academia norte-americana de ciências: corvos, papagaios e outras aves semelhantes reúnem números impressionantes de neurônios em seus cérebros diminutos – tantos quanto em cérebros de primatas muito maiores. O pálio da arara tem mais neurônios do que o córtex de um macaco reso – mais até do que em uma girafa. Até mesmo o pombo, tão desprezado, tem quase seis vezes mais neurônios no pálio do que um camundongo no córtex.

    Mais uma vez, tamanho não é documento: a natureza tem maneiras bem diferentes de construir cérebros. É hora de transformar "cabeça de passarinho" em elogio!

    suzana herculano-houzel

    Carioca, é neurocientista treinada nos Estados Unidos, França e Alemanha.
    Escreve às terças, a
    cada duas semanas.

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