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    Suzana Herculano-Houzel

    Notáveis, mas não especiais

    16/08/2016 02h00

    ZEISS Microscopy/Flickr
    Estudo mostra que córtex pré-frontal humano possui maior número absoluto de neurônios entre primatas
    Estudo mostra que córtex pré-frontal humano possui maior número absoluto de neurônios entre primatas

    Meus alunos da medicina na UFRJ ficavam exasperados quando algo que um professor dizia contradizia os livros didáticos. "Em quem a gente acredita?" Eu lhes orientava a procurar a informação mais recente –e a pensarem por conta própria. "Que bom que os livros ficam ultrapassados", eu lhes dizia. É sinal que a ciência continua gerando conhecimento e atingindo pontos críticos em que é preciso repensar o que se achava que sabia.

    Um dos conceitos a repensar é o da expansão do córtex pré-frontal humano em relação a todo o restante do córtex cerebral, suposta protagonista da evolução humana. "Nosso córtex pré-frontal é proporcionalmente o maior de todos", diziam os livros. Os dados, contudo, eram escassos. O neurologista alemão Korbinian Brodmann estimou em 1909 que o córtex frontal, com funções motoras e associativas, ocuparia 36% do córtex humano, apenas 30% no chimpanzé e 21% no macaco gibão. Vendo assim, nosso córtex pré-frontal (somente a parte associativa do córtex frontal) parecia desproporcionalmente grande.

    Os números valeram por 93 anos, até a neurocientista Katerina Semendeferi, usando a nova tecnologia da imagem por ressonância magnética, refazer as medições –e descobrir que humanos, chimpanzés, gorilas e orangotangos compartilham um córtex frontal que ocupa algo entre 35 e 37% do córtex cerebral. O achado inspirou uma nova leva de análises por outros pesquisadores, alguns dos quais continuaram defendendo com unhas e dentes a tese de que o córtex pré-frontal humano era maior do que o esperado –embora por muitíssimo pouco, e dependendo do método usado para fazer a análise.

    Já sabemos que tamanho não é documento quando se trata de córtex (o do elefante, enorme, tem apenas um terço do número de neurônios do nosso), resolvemos investigar diretamente o número de neurônios pré-frontais em humanos e outros primatas. O trabalho da minha então aluna de doutorado, Mariana Gabi, que acaba de ser publicado na revista "PNAS", apoia a conclusão de Semendeferi, e vai além.

    Nosso córtex pré-frontal não tem um número desproporcional de neurônios corticais –mas tem, sim, o maior número absoluto de neurônios entre primatas, e provavelmente outros bichos também. Acho que é hora de modificar os livros didáticos mais uma vez...

    suzana herculano-houzel

    Carioca, é neurocientista treinada nos Estados Unidos, França e Alemanha.
    Escreve às terças, a
    cada duas semanas.

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