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    Suzana Herculano-Houzel

    Cérebro feminino menos dobrado não tem relação com número de neurônios

    25/10/2016 02h00

    Turinboy/Flickr
    Neurociência acreditava que as dobras cerebrais fossem uma forma de aumentar o número de neurônios
    Neurociência acreditava que as dobras cerebrais fossem uma forma de aumentar o número de neurônios

    Tal qual uma toalha de banho socada dentro de um cesto de roupa suja pequeno, a superfície do cérebro humano é cheia de dobras: são as circunvoluções do córtex cerebral, inexistentes em cérebros pequenos como de camundongos, mas óbvias em cérebros grandes, como o nosso.

    Por décadas a neurociência supôs que as dobras fossem uma maneira de aumentar a quantidade de superfície cortical e portanto de neurônios que cabem no córtex. Quanto mais dobrada a superfície do córtex, mais neurônios deveriam caber ali. E assim perpetuava-se um dos paradoxos sobre o cérebro humano: se baleias possuem um córtex ainda mais dobrado do que o nosso, como se explica que sejamos nós a estudá-las, e não vice-versa?

    Eu e o físico Bruno Mota, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, mostramos no ano passado, em um artigo na revista "Science", que a quantidade de dobras do córtex entre espécies diferentes não é uma função do número de neurônios no córtex e sim física pura, dependendo da combinação da área total da superfície do córtex e da sua espessura. Folhas de papel amassadas à mão replicam o fenômeno. Amasse uma única folha A4 e a superfície que passa a ficar escondida no interior da bola é grande; amasse uma pilha de 4 folhas do mesmo papel, e o resultado será uma bola maior –porque menos dobrada.

    William Mur

    O quanto um córtex é dobrado, portanto, não é consequência de quantos neurônios há no córtex: é só física, dependendo das forças aplicadas à superfície. O córtex humano, em particular, é apenas tão dobrado quanto esperado para sua superfície e espessura. As leis da física também se aplicam à nossa espécie.

    Um novo estudo publicado na revista "PNAS" por Bruno Mota e seus colaboradores no Reino Unido mostra que as leis da física também se aplicam entre indivíduos. Segundo o estudo, se o córtex cerebral feminino parece menos dobrado, é só porque ele cobre uma área um pouco menor do que o córtex masculino –o que em princípio não diz nada sobre o número de neurônios deles e delas.

    Com o envelhecimento normal, contudo, a relação entre a superfície total do córtex e a superfície exposta no topo das dobras diminui. No Alzheimer também –e mesmo os cérebros mais jovens com a doença parecem idosos, por esse critério. O que muda, quem diria, parece ser a física do cérebro. Agora o negócio é entender como...

    suzana herculano-houzel

    Carioca, é neurocientista treinada nos Estados Unidos, França e Alemanha.
    Escreve às terças, a
    cada duas semanas.

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