• Colunistas

    Tuesday, 07-May-2024 05:20:15 -03
    Suzana Herculano-Houzel

    O presidente Trump me dá engulhos

    31/01/2017 02h00

    Duncan Hull/Flickr
    Obra de Banksy
    Obra de Banksy

    Eu sou otimista de carteirinha e tenho o hábito de procurar o lado bom até das piores coisas, mas este ano está difícil. Os EUA, onde agora moro, inauguraram um presidente que não recebeu a maioria dos votos, que exsuda arrogância, intolerância e o que mais lhe render votos e holofotes, e que demonstra o mais puro desprezo por fatos e coerência. Como distinguir fatos das suas interpretações é o oxigênio que cientistas respiram, resolvi assinar vários jornais e revistas que vem se mostrando dedicados ao jornalismo responsável.

    A página eletrônica do "Washington Post" agora vive aberta em todos meus computadores. Mas surgiu um problema inesperado: tenho que rolar a página quando aparecem fotos de Trump no Salão Oval. Se o candidato Donald Trump já era asqueroso, o presidente Trump me dá engulhos.

    A neurociência explica. O córtex da ínsula anterior, escondido sob a superfície do cérebro como uma ilha submersa, cria representações subjetivas a partir de sinais objetivos da fisiologia do corpo. Começa a ter gás carbônico demais no sangue? A ínsula posterior repassa o sinal, e a anterior interpreta como sensação de ansiedade, sinal para tomar providências. O sangue esfria um décimo de grau e a pele está gelada? Bate o frio, sinal para botar casaco. Entrou algo tóxico na boca ou no sangue, que faz o estômago parar? A ínsula anterior decreta enjoo, e outras partes do cérebro obedecem provocando a devolução do que não deveria ter entrado: vômito.

    A ínsula anterior parece aprender com a experiência, e passa a sinalizar antecipadamente o que não deve ser aceito pelo corpo, aquilo que prenuncia expulsão inevitável, com a sensação de nojo. Comida estragada e vasos sanitários imundos funcionam que é uma beleza. Dá pra sentir o estômago revirar só de pensar.

    E por alguma razão, o mesmo circuito da ínsula anterior que decreta nojo também dispara com imagens ou pensamentos de ações degradantes e injustiça social. Não se entende ainda como uma coisa leva à outra (assistir à humilhação alheia para o estômago?), mas fato é que leva. E, como o cérebro aprende com a experiência, se alguém repetidamente comete atos asquerosos, em breve não é preciso esperar mais por eles; a imagem do perpetrador basta.

    O lado bom (eu disse que era otimista) é que o nojo leva a revolta e repúdio –ou seja, à ação. Ver familiares e estranhos completos, advogados, motoristas de táxi e juízes mobilizados por suas ínsulas anteriores, enojadas, tomando ação contra a canetada raivosa e discriminatória de Trump me faz ter esperança na humanidade.

    suzana herculano-houzel

    Carioca, é neurocientista treinada nos Estados Unidos, França e Alemanha.
    Escreve às terças, a
    cada duas semanas.

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024