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    Suzana Herculano-Houzel

    Como a coceira pega?

    09/05/2017 02h00

    meaduva/Flickr
    Assim como o bocejo, coceira também pega
    Assim como o bocejo, coceira também pega

    Há comportamentos que são tão contagiosos que só de pensar neles já dá vontade. Bocejar é um deles. O bocejo parte do hipotálamo, estrutura na base do cérebro que cuida de todos os aspectos da fisiologia do corpo, como integrar o nível de sonolência com a respiração. Como a respiração é controlada diretamente pela base do cérebro, sem depender de ordens do córtex, uma vez que o hipotálamo passa o comando para o bocejo, ele é inevitável. No máximo, dá para tentar ser discreto.

    Assim como o bocejo, coceira também pega. Ela é tão contagiosa que posso apostar que o seu rosto, seu queixo, seu couro cabeludo vai começar a coçar nos próximos segundos. Eu comecei a querer me coçar assim que escrevi o título desta coluna.

    Esses comportamentos contagiosos tem um componente social: são mais comuns entre pessoas familiares e que tem um certo grau de empatia umas com as outras. Por isso, era esperado que o contágio envolvesse o córtex cerebral, e fosse talvez exclusividade de primatas ou outros animais cerebralmente bem dotados. Aliás, um grupo mostrou ano passado que quanto mais neurônios uma espécie tem no córtex cerebral, mais contagioso é o bocejo.

    No entanto, um estudo da Universidade Washington, em Saint Louis, nos EUA, acaba de mostrar que também camundongos começam a se coçar só de ver um colega se coçando em outra caixa. Nem é preciso ver a fonte do contágio ao vivo, ou sentir seu cheiro: ver a imagem em vídeo de outro camundongo se coçando é suficiente para disparar a imitação.

    Usando um teste genético que mostra quais neurônios se tornaram mais ativos durante uma tarefa, a equipe de Zhou-Feng Chen descobriu que o sítio mais ativo nos camundongos que pegavam a coceira dos outros fica no hipotálamo, como é o caso do bocejo –mas em uma parte inusitada: no núcleo supra-quiasmático. Esta é a estrutura que recebe informação dos olhos sobre a luminosidade ambiente, e portanto sobre se é dia ou noite, e regula o comportamento de acordo.

    O que este núcleo poderia estar fazendo monitorando a coceira alheia? O que quer que seja, coincidência não é: usando um arsenal de ferramentas genéticas, Chen e sua equipe mostram que a ativação do núcleo é necessária para os animais pegarem a coceira dos outros, e também suficiente para eles começarem a se coçar em segundos. Meu núcleo supra-quiasmático que o diga: já perdi a conta de quantas vezes me cocei escrevendo esta coluna...

    suzana herculano-houzel

    Carioca, é neurocientista treinada nos Estados Unidos, França e Alemanha.
    Escreve às terças, a
    cada duas semanas.

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