O mecanismo de alternância entre sono e vigília funciona como uma gangorra que se mantém estável em um dos lados, mas pode rapidamente passar para o outro, e se passa, é de uma vez só. Faz sentido: ficar no meio do caminho, nem bem acordado nem adormecido, seria inútil.

Ficar acordado ou adormecer depende de várias estruturas no cérebro, que se falam e estimulam umas as outras: uma promove atenção, outra permite a percepção, outra facilita o aprendizado, outra nos impele ao movimento e dá prazer. Cada uma usa uma substância: noradrenalina, histamina, serotonina ou dopamina. Enquanto alguma delas opera o suficiente, o efeito de ativação é compartilhada, como crianças diferentes trocando de lugar no mesmo assento da gangorra, e o cérebro permanece acordado. Mas assim que todos os sistemas começam a evanescer, a gangorra muda de posição rapidamente –e fica lá, no estado adormecido.

Quem já tomou antialérgicos (anti-histamínicos), deve ter notado: um efeito colateral é a sonolência. A mesma histamina que na pele dá coceira também deixa os neurônios do córtex no estado compatível com a consciência, donde a sonolência dos antialérgicos que bloqueiam seu efeito –mas só quando se para de fazer algo interessante.

Um estudo californiano mostrou o porquê: a dopamina que fornece motivação e prazer durante atividades excitantes, como jogar videogames, também mantém a vigília. O grupo, liderado por Ada Eban-Rotschild, usou uma técnica de manipulação genética para controlar quando a principal estrutura dopaminérgica do cérebro estava ativa em camundongos.

Mesmo um camundongo sonolento porque não pôde dormir no dia anterior pode ser mantido acordado (com acesso a comida saborosa, presença de uma fêmea, ou cheiro de um predador). O grupo mostrou que esses estímulos funcionam por manterem a atividade dopaminérgica no cérebro –e se ela é desligada artificialmente, não há comida, fêmea ou predador que mantenha o camundongo sonolento acordado.

Por isso jogar videogame à noite é uma excelente ideia para quem quer se manter acordado, mas péssima para quem quer adormecer em breve. Nesses casos, a neurociência recomenda uma leiturinha leve na cama, interessante o suficiente para que se abra o livro, mas não palpitante o suficiente para manter o cérebro interessado.w

suzana herculano-houzel

Carioca, é neurocientista treinada nos Estados Unidos, França e Alemanha.
Escreve às terças, a
cada duas semanas.

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