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    Suzana Herculano-Houzel

    Drenagem linfática no cérebro? Órgão ainda surpreende cientistas

    10/10/2017 02h00

    Reprodução

    Primeiro se dizia que as células da glia apenas faziam o "enchimento" do cérebro –hoje se sabe que elas são essenciais para ensinar neurônios a falar uns com os outros, e depois manter a comunicação em nível razoável, sem berros, um mecanismo de controle que pode levar a epilepsia quando desanda.

    Depois foi a vez de ir pro brejo a história de que o cérebro não tem reservas energéticas –de novo, isso é outro papel das células da glia, que estocam glicogênio, como o fígado.

    A descoberta não só é de interesse para quem busca entender o básico sobre como o cérebro funciona, como também informa toda a pesquisa sobre doenças com comprometimento metabólico.

    A nova verdade revisada diz respeito a um sistema linfático no cérebro. Este é um conjunto de vasos que coleta todo o plasma que, retirado do sangue, banha os tecidos do corpo, enchendo-se de toxinas e dejetos do funcionamento das células, que são então encaminhados aos rins para excreção na forma de xixi (o líquido curiosamente mais limpo e estéril do corpo –essa é outra história).

    O cérebro também é varrido por plasma retirado do sangue, que passa a se chamar liquor, e permeia os neurônios e glia, acumulando seus dejetos. Dizem os livros-textos que esse liquor sujo é retirado por pequenas granulações nas meninges que envolvem o cérebro, que bombeiam o liquor sujo para dentro dos grandes reservatórios de sangue venoso, que então volta ao coração levando as sujeiras do cérebro.

    Cientistas dos National Institutes of Health dos EUA vêm mudando esses conceitos. Eles demonstraram, usando uma combinação esperta de ressonância magnética e contrastes injetados no sangue, que camundongos possuem vasos linfáticos nas meninges, que coletam liquor do cérebro e o despejam nos gânglios linfáticos, de onde vão para os rins.

    O mesmo grupo acaba de mostrar que um sistema semelhante de vasos existe no cérebro humano –e no do sagui. Ambos primatas têm vasos linfáticos bem formados e separados dos vasos sanguíneos das meninges. Ainda falta um bocado para entender como o liquor do cérebro vai parar nesses vasos, e como eventuais alterações podem ocorrer no envelhecimento normal e em doenças.

    Meus alunos da Medicina na UFRJ ficavam exasperados quando eu dizia que algo nos livros não era mais verdade. Assim é a ciência: várias novas perguntas a cada resposta.

    suzana herculano-houzel

    Carioca, é neurocientista treinada nos Estados Unidos, França e Alemanha.
    Escreve às terças, a
    cada duas semanas.

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