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    Suzana Singer

    Desencontro de números

    08/08/2010 03h00

    'A Folha não cansa de divulgar seu suposto apartidarismo. Mas como explica que, entre quatro pesquisas divulgadas por quatro institutos diferentes, em menos de duas semanas, apenas o Datafolha tenha apontado Serra na frente de Dilma, ainda que por um mísero pontinho? E por que a pesquisa estimulada vai para a manchete, enquanto a espontânea fica escondidinha no meio do jornal? Por essas e por outras, cancelei minha assinatura, mas, depois de mais de 40 anos lendo a Folha, confesso que dou uma filada no exemplar do trabalho.
    Cordiais saudações,'
    Jonathan Teixeira
    (Tremembé, interior de SP)

    O e-mail, enviado na quinta-feira, depois que o Sensus deu dez pontos de vantagem a Dilma Rousseff, foi só um entre dezenas. Com a divulgação de novas pesquisas eleitorais, aumentaram as suspeitas sobre o Datafolha, o único dos grandes institutos que não deu a candidata do PT ultrapassando José Serra.

    No Datafolha mais recente, feito entre 20 e 23 de julho, os dois principais presidenciáveis apareciam tecnicamente empatados (Serra, 37%; Dilma, 36%). No Ibope feito uma semana depois, o PT tinha cinco pontos a mais (Dilma 39%; Serra, 34%).

    Os resultados, porém, não são tão diferentes se a margem de erro for levada em conta (dois pontos para mais ou para menos). No limite do Datafolha, Serra teria 35% e Dilma 38% -a petista à frente. No Ibope, o tucano estaria com 36% e Dilma com 37% -quase empatados.

    Além da margem de erro, é preciso levar em conta quando as pessoas foram entrevistadas. Pesquisa eleitoral é o retrato de um momento. Uma semana, mesmo em uma campanha morna, pode fazer diferença.
    O que aconteceu, provavelmente, é que o Datafolha está "atrasado", quando fez as entrevistas não havia um crescimento de Dilma, que os dois últimos Ibopes captaram.

    Há outra hipótese: como as metodologias são diferentes, pode ser que simplesmente um deles esteja certo e o outro errado.

    No conjunto dos dados, o cenário do último Datafolha não é nada ruim para a candidata do governo. Ela aparece na frente na pesquisa espontânea (o entrevistador não mostra os nomes dos que concorrem), tem uma rejeição menor que a de Serra e mais gente acredita que ela vencerá no dia 3 de outubro.

    Mesmo assim, militantes mais exaltados preferem acreditar que Datafolha e Folha são uma entidade única a favor do PSDB. O instituto é uma empresa à parte. O jornal, um de seus clientes, paga pelas pesquisas encomendadas, embora ambos pertençam ao Grupo Folha.

    O Datafolha faz pesquisas que os jornalistas nem ficam sabendo. Em política, não atende partidos, instituições, sindicatos: só trabalha para meios de comunicação, sob a condição de que os resultados sejam publicados. Se um prefeito quiser, por exemplo, testar suas chances em uma reeleição, não pode contar com o Datafolha.

    A independência entre instituto e Redação é salutar para os dois. O jornal naturalmente valoriza as pesquisas que encomenda -quase sempre são manchetes-, mas deveria destacar também as feitas por institutos que considera confiáveis. Nem sempre acontece.

    A Folha escondeu as duas últimas pesquisas Ibope: não foi o título principal da página nem mereceu chamada na capa. Foi um erro.

    Pesquisas são fatos políticos. Muitos acreditam que podem mudar o rumo de um pleito (o eleitor teria uma tendência a votar em quem vai vencer), o que é muito discutível, mas certamente influencia o ânimo dos militantes e o financiamento de campanhas. Daí a marcação cerrada em cima dos institutos.

    Quando Mauro Paulino, diretor-geral, e Alessandro Janoni, diretor de pesquisas do Datafolha, escreveram, em dezembro de 2009, artigo dizendo que Dilma poderia empatar com Serra graças aos "votos de Lula", ela tinha apenas 23% e o seu adversário, 37%. Na época, nenhum petista reclamou. As acusações, como se vê, variam conforme os ventos. E os números.

    suzana singer

    Escreveu até abril de 2014

    Foi a ombudsman da Folha por quatro anos, de abril de 2010 a abril de 2014. No jornal desde 1987, foi Secretária de Redação na área de edição, diretora de Revistas e editora de "Cotidiano".

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