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    Suzana Singer

    Quando o jornalismo funciona

    19/09/2010 03h00

    O jornalismo finalmente mostrou seu valor nestas eleições. Depois do "Receitagate", um escândalo nebuloso em que os culpados ainda não estão definidos, a imprensa trouxe à tona denúncias que derrubaram a ministra da Casa Civil, ex-assessora direta da candidata do governo. Os méritos principais estão com a revista "Veja" e a Folha, que deram os "furos" (informações exclusivas) dessa história.

    Ainda há muito a esclarecer, mas as reportagens conseguiram mostrar, até sexta-feira, que havia, no mínimo, um envolvimento espúrio de lobistas com o filho de Erenice Guerra.

    Causou estranheza aos leitores o fato de o denunciante nas reportagens da Folha, o autointitulado "consultor" Rubnei Quícoli, ter um currículo pouco invejável -uma condenação por receptação de carga roubada e outra por uso de dinheiro falso, com dez meses passados na prisão.

    O título da entrevista concedida por ele, publicada na quinta-feira, era quase patético: ""Fiquei horrorizado de ter de pagar", diz negociador", como se fosse uma alma pura à mercê dos gaviões de Brasília.

    No dia seguinte, "O Globo" revelou que Quícoli chantageou os envolvidos, dizendo que, se o crédito pleiteado pela empresa que ele representava não saísse, procuraria a imprensa, como acabou fazendo.

    "Vigarista", "criminoso" e "escroque" foram alguns dos adjetivos usados pelos leitores para definir a fonte principal da reportagem da Folha, que foi acusada de "denuncismo ridículo" e "insanidade total" por dar guarida a ele.
    Desqualificar o informante sem dar atenção ao que ele diz é uma tática recorrente das autoridades. Só para lembrar um exemplo clássico, quando o então deputado Roberto Jefferson detonou o "mensalão", em 2005, ele era mais conhecido como ex-líder da tropa de choque do presidente Collor.

    Com o tempo, muitas de suas denúncias foram se mostrando verdadeiras, o que obrigou os que tentavam desacreditá-lo a buscar novos argumentos.

    A verdade é que, se os repórteres de política dependessem exclusivamente de pessoas ilibadas em suas apurações, páginas em branco seriam publicadas diariamente.

    O importante neste caso é que as denúncias de Rubnei Quícoli, que vão ao encontro do que foi relatado pelo consultor Fabio Baracat na "Veja", sejam apenas o ponto de partida para o trabalho jornalístico. Que daqui em diante a Folha consiga esclarecer se funcionou um balcão de venda de influências na Casa Civil, quem participou do esquema e se Erenice esteve envolvida de alguma forma.

    DESDÉM COM A IMPRENSA
    O governo reagiu mal ao jornalismo, desde o primeiro momento. Erenice Guerra anunciou que processará a "Veja", uma revista que, segundo ela, "está envolvida da forma mais virulenta e menos ética possível" na disputa eleitoral.

    Em vez de esclarecer o que a imprensa divulgava, atacou depois José Serra, um candidato "aético e já derrotado", o que acelerou sua defenestração do ministério.

    Dilma Rousseff começou falando em "mais um factóide" contra a sua candidatura e depois tratou de se distanciar ao máximo de quem foi seu braço direito por tantos anos.

    O pouco hábito com uma imprensa questionadora não é exclusividade do petismo. Na quarta-feira, José Serra ameaçou abandonar uma entrevista na CNT, porque não estava gostando das perguntas.
    O candidato, que passou semanas fazendo denúncias, não queria "gastar tempo precioso" discutindo o escândalo da Receita Federal nem falando de pesquisas eleitorais (em que ele está mal).

    "Isto aqui é um programa montado", "vocês repetem argumentos fajutos do PT", acusou Serra.
    Se os dois principais presidenciáveis encaram a imprensa não bajuladora com esse espírito, teremos quatro anos difíceis pela frente, ganhe quem ganhar.

    suzana singer

    Escreveu até abril de 2014

    Foi a ombudsman da Folha por quatro anos, de abril de 2010 a abril de 2014. No jornal desde 1987, foi Secretária de Redação na área de edição, diretora de Revistas e editora de "Cotidiano".

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