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    Suzana Singer

    Divirta-se

    15/05/2011 03h00

    Mesmo o que deveria ser pura diversão enfurece, de tempos em tempos, os leitores. Um alvo constante de reclamações são as palavras cruzadas, publicadas diariamente.

    No último dia 4, o passatempo pedia as iniciais do escritor "norte-americano" Vladimir Nabokov. O advogado Luciano Amaral, 64, protestou, já que ninguém lembra do autor de "Lolita" dessa forma, mas a Ilustrada respondeu que, embora ele tenha nascido em São Petersburgo, se naturalizou nos EUA em 1945.

    Meses antes, Luciano tinha reclamado porque as cruzadas perguntavam sobre uma "famosa dupla norte-americana de comediantes dos anos 30 e 40". A resposta apontava "O Gordo e o Magro", mas Stan Laurel, o Magro, era inglês. A resposta da Redação: "O importante é o país onde a dupla fez fama".

    Por essa lógica, retrucou Luciano, "Lolita deve ser lida ao som do francês Chopin e guardada na biblioteca ao lado das obras do norte-americano Albert Einstein".

    Não são apenas imprecisões que irritam os adeptos do passatempo. Vários sentiram que aumentou o grau de dificuldade nos últimos tempos. "Qual é a intenção de colocar palavras como entrenó, bulboide, gadanha, antitenar [*veja significados embaixo da ilustração]? O passatempo é para o pessoal da Academia Brasileira de Letras?", questiona o vendedor Rogério Pinheiro, 50.

    O professor de direito Silvio Artur Dias da Silva, 63, usa o Houaiss e, mesmo assim, nem sempre consegue completar o desafio. "Em uma edição recente, havia o verbete "atuado" *, que só adeptos do Candomblé sabem o que é", reclama.

    A empresa A Recreativa, que faz as palavras cruzadas da Folha, diz que a ideia é alternar graus de dificuldade para "estimular" a curiosidade dos leitores. Aos domingos, os passatempos são da categoria ""difícil", porque a pessoa tem mais tempo para resolvê-los.

    O segredo de um passatempo é ser instigante, sem ser obscuro, sem apelar para termos fora de uso, ensina Will Shortz, editor de palavras cruzadas do "New York Times" -sim, lá existe essa função. O jornal leva o assunto a sério: toda semana, chegam de 75 a 100 sugestões de leitores, e as selecionadas passam por quatro testadores até serem publicadas. "Palavras cruzadas são uma das poucas coisas que ainda é melhor fazer no papel do que no on-line", provoca Shortz.

    O ASTRO
    Três leitores desafiam a Folha a suspender o horóscopo, que sai na mesma página das palavras cruzadas. O professor Anderson José, 39, critica a Folha por incentivar uma "crendice da Idade Média". "Posso confiar nas informações publicadas ali como acredito nas notícias do resto do jornal?", pergunta.

    O engenheiro Caio Brüchert, 36, não se conforma que "se contribua para propagar a ignorância humana". "Que maravilha se um jornal de peso como a Folha decidisse romper essa tradição terrível!"
    Para o neurocirurgião Alessandro Blassioli, 45, o jornal "alimenta ilusões" . "Se não suspender a coluna, a Folha deveria anexar uma nota no rodapé do tipo: "Este jornal não compartilha da ideia de que horóscopo possa determinar o futuro". É como cigarro: todos têm direito de fumar, mas quem vende tem que dizer que faz mal."

    Para se ter uma noção da popularidade do zodíaco, a Folha.com. registra 8 milhões de page views (cliques) todo mês no horóscopo, que é bem mais completo do que o impresso. No site, dá para testar a compatibilidade com o signo do sexo oposto, saber o que os astros apontam para o Brasil neste ano e entender como é uma criança capricorniana. É o sexto canal de maior audiência.

    "O horóscopo pode não ter validação científica, mas é um fato cultural inconteste da nossa sociedade", diz a Redação.
    Já que a previsão para uma libriana como eu em 2011 é que, "consciente do seu papel, discriminará muito bem o que é certo e o que é errado", vou comprar a briga dos "três mosqueteiros" acima: um jornal que preza a racionalidade e a ciência deveria abrir mão da astrologia.

    suzana singer

    Escreveu até abril de 2014

    Foi a ombudsman da Folha por quatro anos, de abril de 2010 a abril de 2014. No jornal desde 1987, foi Secretária de Redação na área de edição, diretora de Revistas e editora de "Cotidiano".

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