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    Suzana Singer

    Quando a coisa esquenta

    14/08/2011 03h30

    "HARD NEWS" é uma expressão usada em jornalismo para designar o noticiário quente, imprevisível, que exige uma rápida mobilização da equipe para, contra o relógio, explicar os últimos acontecimentos com o mínimo de erro e o máximo de aprofundamento.

    Os leitores de jornal, bombardeados por informações da televisão, do computador, de celulares e de tablets, esperam do impresso um bom resumo das 24 horas anteriores, com análise e contextualização, que lhes permita entender a última volta que o mundo deu.

    Na semana passada, a crise financeira mundial e os distúrbios em Londres foram testes de ""estresse" para a Redação da Folha. Em ambos, o jornal não se saiu tão bem.
    Na cobertura da montanha-russa das Bolsas, a Folha patinou na parte nacional. A possibilidade de que a crise afete o Brasil é o maior desafio do governo Dilma, muito mais decisivo do que as denúncias de corrupção nos ministérios do Turismo ou dos Transportes.

    Se Lula falava em ""marolinha", a presidente já avisou que o país ""não é uma ilha". Disse que não aceitará ""soluções recessivas", mas anunciou congelamento de parte dos gastos em 2012. Seu ministro da Fazenda prometeu ""uma surpresa fiscal a cada mês" e avisou os trabalhadores de que não é hora de reivindicar reajuste salarial.

    A movimentação do governo saiu mal na Folha -algumas declarações foram até ignoradas. As mudanças na política industrial, anunciadas no último dia 2, que traziam desoneração da folha de pagamento para alguns setores, já tinham sido subestimadas. A queda na produção da indústria em junho, sinal de esfriamento da economia, foi registrada em uma nota mínima.

    Parte do problema vem do noticiário de economia espalhado entre Poder, Mercado e Mundo. Dificulta a leitura e cria entraves na edição. Para combater isso, foi criado o que se chama de "editoria de emergência": uma equipe focada no assunto, com jornalistas especializados, chefia própria e um número maior de redatores.

    O noticiário passou a se concentrar nas páginas de Mundo, o que provocou um desagradável efeito colateral: espremeu os relatos sobre os saques em Londres.
    Morreram cinco homens, a cidade está repleta de policiais, há mais de mil presos, lojas e pubs fecharam mais cedo, as pessoas andam nas ruas com medo.

    Foram os piores incêndios desde os bombardeios da Segunda Guerra Mundial, como lembrou Kenneth Maxwell. A Inglaterra é um dos principais destinos turísticos dos brasileiros, mas, assim mesmo, o jornal demorou a se comover.

    Londres deflagrada teve destaque na Primeira Página na segunda-feira e ontem. Ao longo da semana, nas páginas internas, em pouco espaço, deu apenas para seguir os acontecimentos, sem entender bem como reagiam os ingleses.

    Só cinco dias depois do primeiro ataque -pouco tempo para os historiadores, mas uma eternidade para um jornal diário-, ficou claro que ""esquerda" e ""direita" tinham um discurso semelhante, que não se tratava de protesto social, mas da ação de vândalos.

    Com a opinião pública a seu favor, o primeiro-ministro David Cameron aventou, na quinta-feira, a possibilidade de bloquear mídias sociais para coibir mobilizações. No dia seguinte, Mundo apenas registrou a ameaça, sem polemizar a medida para lá de discutível em um país democrático.

    Como os bombeiros, os jornalistas são postos à prova, de fato, quando as coisas pegam fogo. A Folha precisa rever procedimentos e ficar alerta. Porque 2011, sem eleição, sem Copa nem grandes agendas, está surpreendentemente quente. E sem sinal de esfriar.

    suzana singer

    Escreveu até abril de 2014

    Foi a ombudsman da Folha por quatro anos, de abril de 2010 a abril de 2014. No jornal desde 1987, foi Secretária de Redação na área de edição, diretora de Revistas e editora de "Cotidiano".

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