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    Suzana Singer

    Patrulha de bicicleta

    11/03/2012 03h30

    Eles são organizados, apaixonados pela causa e se enraivecem facilmente. No século 21, essa não é mais a descrição de militantes do movimento negro, feminista ou dos petistas. São cicloativistas, defensores dos animais, das crianças superdotadas e de tantos outros.

    Esses grupos monitoram o noticiário e, se detectam algo que julgam ofensivo, mobilizam-se pelas mídias sociais, num fenômeno mais conhecido nos EUA e na Europa e que agora se faz sentir com força no Brasil.

    O bombardeio, na semana passada, partiu dos ciclistas, indignados com uma reportagem que mostrava flagrantes de usuários de bicicletas ("Ciclistas se arriscam e cometem infrações").

    Uma carta, postada no blog da ONG Ciclocidade, diz que a reportagem é "exemplo de jornalismo de baixa qualidade, profundamente irresponsável" e faz da Folha "cúmplice dos crimes de trânsito".

    Objetivamente, as dezenas de missivistas têm razão em um ponto: o texto, na versão digital, erra ao dizer que descuidos como andar sem capacete são infrações -não há regra para isso no Código de Trânsito Brasileiro.

    As outras acusações são por demais subjetivas ou simplesmente irreais. Os cicloativistas criticam o momento da reportagem, dias depois do atropelamento de uma bióloga na avenida Paulista, e perguntam por que não se falou de erros cometidos pelos motoristas. Enxergam uma intenção de fustigar a disputa entre bicicletas e carros.

    As afirmações não se justificam, porque a Folha já escreveu inúmeras vezes sobre barbeiragens de carros, de ônibus e até de pedestres, deu amplo espaço ao noticiário sobre a morte na avenida Paulista e vem cobrindo com vontade os protestos de ciclistas.

    Chama a atenção a ferocidade do grupo. Parece pecado criticar ciclistas.

    "A reportagem não ajuda a sociedade, só promove a intolerância", escreveu, dos Emirados Árabes Unidos, a projetista Andrea Fonseca, 34, que lê a Folha.com diariamente.

    É a mesma "sensibilidade à flor da pele" que move os defensores dos bichos. A jornalista Mônica Roemmler, 48, escreveu, no último dia 29, indignada com uma foto, na Folha.com, de elefantes mortos na África. "Vocês não publicariam três cadáveres humanos expostos dessa maneira; então, por que mostrar, sem nenhuma dignidade, os corpos de animais mortos cruelmente?".

    O texto que acompanhava a foto tratava da caça ilegal, o tom era de denúncia, mas isso não satisfez a jornalista, que não é ativista de nenhum grupo, mas sempre protesta quando vê maus-tratos a bichos.

    Na semana seguinte, uma frase sobre superdotados enfureceu o pedagogo Giovanni Ferreira, 33. Ao descrever uma criança que domina computadores, um colunista do "Tec" escreveu que, "para o seu bem (e para o bem de todos que a cercam), ela não é superdotada. É uma criança normal".

    Giovanni, que dirige uma ONG para superdotados, criticou a "maneira pejorativa e discriminatória" com que foram tratados os superinteligentes. "O colunista não escreveria que a menina, 'para o seu próprio bem', não é negra. Ou escreveria e estaria preso", afirma.

    O pedagogo tem razão sobre a frase infeliz, mas, para a maioria dos mortais, chamar alguém de superdotado é um tremendo elogio.

    É ótimo que exista vigilância sobre a grande mídia e que todos tenham espaço para protestar, mas cobranças extremadas pouco contribuem. Leitores-sem-causa dificilmente se melindram com exemplos como esses. Pode soar duro, mas é impossível fazer jornalismo sem algum potencial ofensivo.

    CAOS EM SP; PAZ NO SITE

    A greve dos caminhoneiros, que desabasteceu os postos de São Paulo, era uma oportunidade perfeita para a Folha.com mostrar-se útil. Com repórteres na rua logo cedo, o site poderia relatar como estava a adesão à paralisação, onde faltava combustível e a indignação dos motoristas.

    Daria para mobilizar internautas para mandarem dicas de postos sem filas ou denúncias sobre preços abusivos.

    Em vez disso, o site se moveu lentamente. Na segunda e terça-feiras passadas, os textos da manhã eram os mesmos do dia anterior. Nascida de uma Redação de impresso, a Folha.com precisa buscar inspiração nas rádios. Quando a situação aperta na cidade, elas amanhecem na rua atrás de informações úteis aos ouvintes.

    suzana singer

    Escreveu até abril de 2014

    Foi a ombudsman da Folha por quatro anos, de abril de 2010 a abril de 2014. No jornal desde 1987, foi Secretária de Redação na área de edição, diretora de Revistas e editora de "Cotidiano".

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