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    Suzana Singer

    Sujeito oculto

    10/11/2013 03h00

    A manchete de sexta-feira passada da Folha -"Prefeito sabia de tudo, diz fiscal preso, em gravação"- induzia o leitor a erro. O prefeito de São Paulo é Fernando Haddad, mas a referência no grampo era a seu antecessor, Gilberto Kassab.

    O título partiu da transcrição de um telefonema em que o auditor fiscal Ronilson Bezerra Rodrigues dizia que deveriam ser convocados para depor "o secretário e o prefeito com quem trabalhei", porque "eles tinham ciência de tudo".

    Ronilson foi subsecretário da Receita no governo Kassab e, na atual gestão, foi diretor na SPTrans de fevereiro até junho.

    O fiscal não cita nominalmente o ex-prefeito, mas é fácil deduzir de quem ele está falando. Foi na gestão anterior que Ronilson ocupou o cargo de zelar pela arrecadação de impostos, o que lhe teria possibilitado atuar na "máfia do ISS" -esquema de cobrança de propina que pode ter causado um prejuízo de R$ 500 milhões aos cofres da cidade.

    "A Folha optou por transcrever a declaração do fiscal de forma literal, já que ele não citou nenhum nome e exerceu funções de confiança tanto na gestão atual como na anterior", diz a Secretaria de Redação.

    O excesso de zelo ficou só na manchete, já que a hipótese de que a frase do fiscal pudesse ser uma referência a Haddad não foi explorada na reportagem. O "outro lado" foi apenas com Kassab, que classificou as declarações de falsas, mas não cogitou que o fiscal estivesse falando de outra pessoa.

    O jornal foi mais realista que o rei, numa cobertura bem delicada. O escândalo do desvio de impostos, que veio à tona no fim de outubro, tinha tudo para render apenas dividendos ao atual prefeito. Embora a investigação tenha começado com Kassab, foi Haddad que revelou a quadrilha. Bastaram, porém, três dias para que surgisse um grampo citando Antonio Donato, secretário de Governo.

    Como a investigação continua, é provável que apareçam novas escutas. Elas não são prova de culpa e devem ser tratadas com todo o cuidado, mas sem distorções.

    SUJEITO INCRÍVEL

    Política fiscal, máfia do ISS, espionagem brasileira... nada disso superou o "rei do camarote" nas redes sociais. Para quem não acompanhou a história: a capa da "Veja São Paulo" da semana passada trazia o empresário Alexander de Almeida, 39, que gasta até R$ 50 mil em uma noitada.

    O vídeo em que ele desfia os dez mandamentos para se dar bem -de pedir muita champanhe, mesmo gostando de vodca, a convidar famosos para "agregar valor" ao camarote- teve mais de 4 milhões de visualizações.

    A reportagem provocou indignação, seguida de incredulidade. Primeiro, condenou-se a revista por dar destaque à frivolidade, a "esbanjadores" que "não contribuem para uma sociedade melhor".

    É uma crítica compreensível, mas não dá para negar a enorme curiosidade que cerca a vida dos ricos. Além disso, num país de tamanha desigualdade, não deixa de ser relevante expor os extremos.

    O vídeo, embora não tenha uma palavra de crítica, faz de Alexander um boçal. Ele aparece dentro do closet recitando nomes de grifes, estacionando sua Ferrari na rua e dançando apoiado em um segurança. A trilha sonora é "Super Rich Kids" (Frank Ocean). Nenhum repórter aparece, como se tivessem simplesmente ligado a câmara, mas é evidente que alguém orientou a entrevista com um gostinho de veneno nos lábios.

    No final, o empresário atribui possíveis críticas à "inveja". A conta, porém, veio bem mais alta. Em um lance que só é possível no admirável mundo novo da internet, Alexander tentou desmentir a reportagem fazendo-se passar por um "meme" de si mesmo. À rádio Bandeirantes disse que aquilo não era "real", mas "uma brincadeira". Não confirmou nem o próprio nome.

    Rapidamente se espalhou a versão de que a "Vejinha" tinha sido "trolada", enganada por um personagem inventado pelo "Pânico". A revista respondeu no seu site, provando que a reportagem era verdadeira e que "qualquer semelhança com pessoas reais não era mera coincidência". O rol de problemas de Alexander deve ter crescido, porque a revista revelou que ele perdeu clientes, não aguenta mais ser "zoado" e está com medo de sequestro.

    Alexander era o estereótipo tão perfeito do que se acredita que seja um novo-rico que muita gente duvidou que fosse verdade. Na mesma semana, o colunista Antonio Prata criou na Folha um estereótipo de direita, com um discurso extremamente caricato, e muita gente acreditou que fosse verdade. Ele precisou explicar que era ironia.

    Tempos estranhos estes em que a imprensa tem que ser explícita sobre o que é real e o que é ficção.

    suzana singer

    Escreveu até abril de 2014

    Foi a ombudsman da Folha por quatro anos, de abril de 2010 a abril de 2014. No jornal desde 1987, foi Secretária de Redação na área de edição, diretora de Revistas e editora de "Cotidiano".

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