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    Sylvia Colombo - Colunista Convidada

    Dilema peronista

    05/01/2015 02h00

    Em 1974, Juan Perón deu ao empresário Carlos Blaquier, como souvenir, uma réplica do bastão de mando presidencial. Este resistiu: "General, como o sr. presenteia isso a alguém que não é peronista?". Perón: "Por isso, um peronista jamais entrega o bastão a outro peronista, a não ser que seja sua esposa".

    A anedota reaparece toda vez que surge o grande dilema do peronismo: a sucessão. Como sua sustentação é a figura de um líder carismático, não há espaço para que se crie um sucessor. De fato, Perón acabou sendo sucedido pela viúva, Isabelita, e a fórmula repetiu-se em 2007, quando Néstor Kirchner entregou o bastão para Cristina. Menem optou pela reeleição em 1995 e, em 1999, o peronismo foi derrotado pela oposição. Duhalde sim foi sucedido por outro peronista, mas em situação excepcional –havia chegado ao posto numa solução técnica, sem o voto popular.

    Neste ano a Argentina volta a deparar-se com a dificuldade apresentada na máxima de Perón. Cristina Kirchner já se reelegeu (2011) e terá de deixar o cargo. Após sufocar figuras do kirchnerismo que podiam ofuscá-la, a presidente agora hesita em apoiar um dos dois opositores favoritos: o governador de Buenos Aires, Daniel Scioli, ou o prefeito do Tigre, Sergio Massa. O quadro fica mais complicado quando se explica que ambos também são peronistas, apesar de considerados inimigos de Cristina.

    Ao contrário do que muitos pensam, não existe um "partido peronista". Esta é uma orientação política que se caracteriza pelo discurso nacionalista e pela identificação com a população de baixa renda. No peronismo há espaço para vertentes que vão do fascismo à extrema-esquerda. Seu partido oficial é o Justicialista, mas há representantes em várias siglas. Na eleição de 2011 três candidatos eram peronistas (Cristina, Duhalde e Sáa).

    Cristina tem hoje 40% de aprovação popular. Num país em crise econômica, o número é surpreendente. Ainda mais se levarmos em conta que Scioli e Massa não passam de 25% das intenções de voto.

    A situação de ambos é complicada. Por um lado, fundam suas campanhas em críticas à presidente; por outro, disputam o voto de seus seguidores.

    Cristina preferia não apoiar ninguém. Mas o temor de que um governo hostil investigue as denúncias de corrupção do kirchnerismo fazem com que ela seja obrigada a escolher.

    Por ora, sugere que apoiará Scioli, que sairia pelo Partido Justicialista, obrigando Massa a correr por fora. Um setor influente do kirchnerismo, porém, pressiona para que Cristina descarte Scioli e invente um herdeiro de última hora.

    A oposição não-peronista tenta uma esdrúxula aliança entre os socialistas, a UCR e a direita portenha. Discordâncias ideológicas vêm minando esse esforço. Se o debate eleitoral pareceu inflamado no Brasil em 2014, esperem para ver como será no vizinho.

    sylvia colombo

    Sylvia Colombo é formada em jornalismo e história. Acompanha o crescente intercâmbio cultural entre o Brasil e o resto da América Latina.

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