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    Tati Bernardi

    Tia Cidinha

    18/11/2013 03h15

    Meses atrás eu estava com o cabelo enorme, morava de aluguel e meu celular tinha sempre umas três boas opções de sexo sem amor às terças fim de tarde. Era uma vida muito parecida com a que levei nos últimos 15 anos (o que me fazia, muitas vezes, pensar e agir como uma pessoa quinze anos mais nova).

    De repente fui tomada por um nojo profundo de tudo e de todos, salvos bebês e cachorros. A única coisa que ainda me causava emoção era a azia de amigas grávidas e as varandas com ladrilhos hidráulicos de amigas maduras. Falei pra minha analista que estava cansada dos vinte e que queria assumir meus trinta e cinco. Ela sorriu, feliz em saber que meus dois mil reais mensais estavam prestando pra alguma coisa.

    Cortei meu cabelo bem curtinho estilo "refinada e discreta com brincos de brilhantes". Comprei um apartamento grande estilo "tá, tá, não vou negar: dei certo na vida benzinho", decorei estilo "chupa meu bom gosto, vaca" e dei todas as minhas roupas "jovem, modernete, angustiada e com talento mas sem dinheiro pra usar seda" pra caridade (mentira, vendi todas na internet) e engordei três quilos (mentira, foram cinco and counting).

    Troquei dois paqueras, um homem casado e dois paus amigos por um mozão que me manda "resolver" o frango orgânico grelhado dele e tira minha TV do Girls pra colocar nos gols da rodada.

    Ao invés da tatuagem que sempre quis fazer, meu braço ganhou duas pequenas celulites. Se existe pecado e existe punição, a celulite no braço é a cereja no bolo da crueldade divina.

    Me olhei agora no espelho e pensei "taqueupariu, tô a cara da minha tia Cidinha!". E o pior é que eu não tenho nenhuma tia Cidinha.

    Toda mulher na putaria, em algum momento, deseja uma vida calma em que ela possa embarangar em paz e ser a Tia Cidinha. Toda Tia Cidinha deseja ter cabelos longos, morar de aluguel e dar que nem louca pra um bando de cafajestes.

    Nenhuma mulher é feliz.

    tati bernardi

    É escritora, redatora, roteirista de cinema e televisão e tem quatro livros publicados. Escreve às sextas.

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