É sábado e vou ao Rio trabalhar. O meu voo das 11 da manhã está atrasado. A Gol me informa que está apenas "atrasadjinhuquerida": nada grave. No painel está escrito "procurar a cia".
Penso que a coisa é tão grave que preciso falar com a inteligência americana. Dai acho essa piada péssima e compro um pão de queijo pra me punir. Estava há uma semana sem carboidrato e já tinha emagrecido dois quilos.
Agora no painel aparece "atrasado". Minha reunião é treze e trinta mas o ideal seria chegar antes pra almoçar uma salada ou bem antes pra almoçar and ir a uma loja que a timeout disse que é sensação.
O Rio tem naturezas exuberantes mas eu só penso na loja e pra me punir eu como um "pão delícia", uma explosão de sabores com muitos queijos. No painel aparece "delayed".
Encontro a Giovana com a Eva, indo pra Curitiba. Eva está linda de roupinha rosa e me mostra passos de balé. Tenho trinta e quatro e preciso ter um filho logo. Isso me deixa tensa e preciso mastigar algo além dos meus próprios dentes.
Fico entre um anel da H.Stern, uma revista de decoração importada e um chocolatinho. Vou no que vai me custar mais caro: a porra do chocolate. É meio dia e os meus quilos esquecidos vieram do achados e perdidos diretamente pra minha bunda.
No painel está "atrasado". É meio dia e quarenta e eu, comendo uma palha americana, aviso o Antônio Prata que tô na mais completa lama e vou atrasar pra reunião. Ele responde "vem tranquila, te comprei um sanduichinho".
Pessoas mais intensas já estão gritando com pobres funcionários da Gol igual a gente vê no "Jornal Nacional". Socando mesas e com a veiona da jugular pronta e esguichar ternura. Tá, a Gol é uma corna sem mãe, mas o que a Silmara Ramos tem a ver com isso? Uma mulher portuguesa fala baixinho pro marido "que povo grosso".
Um garoto começa a gritar e chorar "eu tenho vestibular e vou perder" e, na aflição desmedida, derruba todo o meu saquinho de m&m's. Fico pensando que porra de vestibular é esse quase no Natal. Teste pra viadinho do Papai Noel? Mas não posso culpá-lo: eu mesma já inventei que sou madrinha da minha irmã, cujo casamento começa em cinco minutos, e estou me enfiando na fila do dez-dezessete sendo que eu sou dez-vinte.
O problema é que o dez-dezessete tinha que ter viajado às oito da manhã e já são quase duas da tarde. Um milhão de pessoas de sete voos cancelados tentam se enfiar no voo do dez- dezessete. As pessoas do dez-dezessete, arrogantes, esbravejam "esperem o de vocês". Mas não tem mais essa coisa do meu e do seu. O avião agora é de quem conseguir entrar.
Uma funcionária da Gol grita "não sei se tem lugar no avião... mas acho que não tem no ônibus que leva até o avião". Elas perderam as contas, é o apocalipse. Velhas boas da perna mancam, todo mundo mente que é smiles-diamante, grávidas simulam partos, mães mandam os filhos fazer cara de cachorro-quente estragado, gordinhas suam no buço (e eu penso que em breve serei eu), todo mundo "precisa passar a tia na frente que ela é cardíaca". Mas nesse momento o mundo inteiro é cardíaco.
Penso em vender Rivotril igual cerveja em estádio de futebol. Olha o sublingual!!!! Conto essa piada pra mulher portuguesa e ela se mata de rir. Fico feliz e pra celebrar compro um Trident sabor melancia. Enfio cinco na boca. Um funcionário fala "o assento é livre". Que bom pro assento porque ali ninguém mais sabe o que significa liberdade. Somos um tumulto de gente sem educação e oxigênio.
Embarco duas e vinte...mas o avião só decola às três da tarde. Perto de mim uma garota tem uma crise de pânico e começa a gemer e assoar o nariz e a unhar o marido. O marido morre de vergonha e fala "amor, tamo chegando". Penso que tamo chegando desde às nove da manhã, esse puto tá mentindo.
As crianças se assustam e TODAS começam a chorar AO MESMO TEMPO. Peço dois saquinhos de amendoim --mas degusto apenas um saquinho e metade do outro porque estou de dieta.
"Retornem o encosto da poltrona, estamos pousando em...em...". A aeromoça não sabia mais nem onde ela tava. Chego no Rio três horas atrasada pra reunião e, tamanha tensão, só consigo pensar no sanduichinho que o Antônio comprou pra mim.
A Gol estragou minha dieta e a manhã de centenas de brasileiros. Conto tudo isso pro taxista e ele fala "tá vendo aquele ônibus estacionado ali? É do Naldo!!! Eu odeio ele!".
É escritora, redatora, roteirista de cinema e televisão e tem quatro livros publicados. Escreve às sextas.