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    Tati Bernardi

    Ser sexy dá gases e corrimento

    24/03/2014 03h00

    Meu namorado olhou com desdém "pra que isso? A gente vai parar o carro longe e você vai ficar tentando se equilibrar nessa merda por várias quadras!". É por isso que ele é meu namorado. Sempre que vou colocar um salto alto, antes me pergunto seriamente "isso serve pra que mesmo?". Sempre que vejo mulheres na ponte-aérea ou nas ruas montanhosas de Perdizes andando como se o mundo fosse inteiro deslocado 45 graus em queda frontal, tenho vontade de empurrá-las e sair correndo.

    Mulheres que se arrumam de forma a dar motivo de punheta para o universo, me expliquem. No que a vida de vocês vai mudar se o vizinho, o padeiro, o porteiro, o marido da amiga e o titio de terceiro grau, tiverem uma pontada de tensão disfarçada em suas cabeçorras involuntárias? Que poder é esse que vocês sentem ao saber que, por causa desse shortinho safado enfiado no ovário, o mundo vai te perguntar de meia em meia hora se "você precisa de algo". Você não pode simplesmente levantar essa porra dessa bunda sufocada em panos opressores e pegar a porra da água? Suas roupas pretendem escravizar o mundo mas é você que está de quatro para o fetiche alheio. Ser sexy (com tanta roupa PP enfiada no útero) deve dar gases e corrimento.

    Na reunião da semana passada percebi que, mesmo eu estando de moletom, o cara estava sensualizando comigo. Não tem coisa pior do que ser posta em um lugar de "pessoa com vagina" quando se está focada em, brutalmente se for preciso, monetizar neurônios. Eu toda trabalhada no pau na mesa e o cara enxergando a xana embaixo da calça. É como se mamãe natureza, trajando renda e seda dos pés a cabeça, soprasse no meu ouvido "você é menina! Foi feita pra ser rosa e não cinza chumbo". Mas eu prefiro ter dinheiro pra reformar a casa do que ter um marido com dinheiro reformando uma casa, mãe natureza, então não enche o saco.

    Um diretor de cinema amigo sempre me fala "você seria mais bonita se não fizesse caretas o tempo todo". Acho divertido como as pessoas me contam isso em tom de descoberta. "olha, andei analisando aqui o fato da sua existência e, se você usasse um cabelão, um decotão e sorrisse mais ao invés de imitar um pato vesgo cocainado, não ia ter pra ninguém, você seria muito sexy". A questão é: cazzo, eu não quero essa vida. Eu tenho uma angústia profunda e um pavor imenso em me imaginar como o sexo meigo e passivo. O pato vesgo cocainado é o vagão de trem impermeável e firme que me leva descarrilada e nua pra todos esses lugares fracos e repetidos.

    Certa feita jantei com um ator. Ele fazia um jagunço indomável num filme e eu morria de tesão (sim porque eu tenho fetiche em típicos machinhos, cada um com a sua incoerência e hipocrisia). Como me é de costume, principalmente quando estou nervosa, fiz piada a noite inteira. Imaginei nomes e histórias bizarras para as pessoas nas mesas próximas e lancei minha voz de traveca fanha cafetina com rinite para imitar patricinhas paulistanas curtindo a night no Itaim. Ele ficou cinco horas imóvel até que eu desisti. Triste, entregue, abalada e com a auto-estima no piso de cimento queimado do bistrozinho fashion, abaixei a cabeça pra pegar um chiclete na bolsa e tirei uma mecha de cabelos dos olhos. Nesse segundo, que segundo ele foi de extrema sensualidade (porque eu estava, finalmente, meiga e passiva), ele me agarrou. Então era só ser uma anta tímida sem nenhum interesse na vida com um pouco de tristeza e uma mecha caída nos olhos? Então todas as 743 piadinhas espertinhas que eu fiz não me ajudaram em nada? Exatamente. Ser mulher é tão fácil que eu me recuso.

    Mês passado almocei com um ex namorado. Ele ficou deslumbrado "você agora se maquia, que feminina!". Não é pela feminilidade e sim por respeito aos outros. Depois dos trinta e cinco anos (e principalmente se você já tomou muito sol na vida) não esconder as olheiras e manchas e cansaços com base deveria ser atentado ao horror. Na manhã em que completei 33 anos perdi a coisa mais linda da juventude: o blush natural. Entre sempre ter que responder "não, não tô doente" ou "sim, agora uso maquiagem" eu fiquei com a segunda opção.

    Recentemente me nasceu uma mancha escura que parece um bigode. A dermatologista acha que é hormonal e a esteticista acha que é do sol. Eu acho que foi castigo da mãe natureza.

    tati bernardi

    É escritora, redatora, roteirista de cinema e televisão e tem quatro livros publicados. Escreve às sextas.

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