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    Tati Bernardi

    Doria x Bolsonaro

    15/09/2017 02h00

    Imagine que em breve há grandes chances de você acordar com este segundo turno: o gari playboy que tenta resolver as mazelas da cidade com álcool gel (e publicitários) contra o cristão que já legitimou a tortura e "representou" os direitos humanos (e as minorias) enquanto enojava o país com discursos sexistas, preconceituosos contra gays e de apoio à ditadura.

    Você, que chorou quando Trump ganhou, que ama ver os milionários fraudulentos deixando suas mansões para dormir em cubículos e defecar em buracos, que espia no Facebook pra ver se aquele desgraçado da escola que esnobava todo mundo já está falido e com cara de gordura no fígado. Você, que trabalha feito um condenado e controla o ímpeto de bater nos conhecidos que tiram "anos sabáticos pra viver a vida" e viajam o mundo ou apenas dormem com o dinheiro do papy (e, pra piorar, ainda têm a petulância de encher as redes sociais com dedos na cara fofos e ecológicos e militantes do bem). Você, que odeia a hipocrisia, a indolência laboral, a falta de ambição, a arrogância aristocrática, o poder herdado e não arrancado com unhas esfoladas, a medicina de butique, as posturas invertidas de ioga em praias europeias com Aperol a mil dólares, as blogueiras que levam o mercado de luxo mais a sério que a angústia da inevitável morte e aquele raio de bolsa marrom da Louis Vuitton que por alguma razão faz seu macarrão chegar antes nos Jardins... você vai ter que votar no Doria. Pra não eleger um demônio, você vai ter que votar no Diabo. Já pensou nisso? Colocar roupa, sapato, ir até uma zona eleitoral, esperar na fila... e votar no Doria? O que seus antigos amigos da faculdade, com 67 pulseiras de pano no braço, diriam disso? O professor de filosofia meio bonitão que todo mundo amava... e se ele souber que você cometeu esse crime contra tudo o que sempre defendeu (desde uma época tão saudosa e ingênua, na qual acreditava em lideres carismáticos e inspiradores)?

    Sim, a chance de um dos dias mais tristes para a nossa pretensa ideologia chegar é grande. Para salvar o país do capitão macabro da decência, você vai engolir coxinha gourmetizada. Pra salvar seu Natal daquele tio avô que, detestando mais um evento com filhos e netos e bisnetos cheios de vida e sonhos, resolveu explodir o mundo e defender o Bolsonaro. Só quem odeia a vida e a humanidade pode gostar desse homem.

    Não adianta fugir. Montevidéu é mágica, mas vovô Pepe, único chamariz do amor, único atrativo a que se agarrar, hoje vive isoladão comendo fruta do pé enquanto taxistas, garçons e pessoas nas ruas só reclamam da economia. Lisboa é o melhor lugar do mundo, mas 678 mil visionários (só no mês passado) já tiveram essa ideia. Macron parece gente boa, mas vão te maltratar nos cafés apenas por costume. A Merkel foi legalzona com os refugiados, mas Berlim acaba funcionando só pra passar uns meses e voltar "o mais cool da balada e do trabalho". Miami você vai ser vizinho de artistas globais que se parecem com o Doria e toda a maravilha de Jericoacoara agora tem voos diretos... porém continua sendo o Brasil. O mundo inteiro vai continuar sendo o Brasil: os Bolsonaros e os Dorias foram ganhando forças estratosféricas enquanto a gente, na bolha Vila Madalena, tinha a impressão de ter evoluído. Estamos em 2017 e ainda existe passeata contra negros? Espancam gays? Deixam mulheres morrer por não permitir o aborto? Votam no Bolsonaro? E recebem zilhões de likes pela internet.

    tati bernardi

    É escritora, redatora, roteirista de cinema e televisão e tem quatro livros publicados. Escreve às sextas.

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