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    Tostão

    Faces da realidade

    DE SÃO PAULO

    23/04/2014 03h00

    Ferreira Gullar escreveu que a arte não revela a realidade, mas a inventa. Disse ainda que é impossível para um pintor representar fielmente a realidade, que a imagem de uma montanha não é a montanha, por mais fiel que seja a pintura.

    Ao ler, viajei para o futebol. As análises que fazemos e as imagens que vemos em um jogo também não representam fielmente a realidade. Podemos fazer ótimos comentários técnicos e táticos, conhecer todas as estatísticas e informações, as úteis e as inúteis, mas, nem sempre, isso é o mais importante. São muitas as realidades.

    Com frequência, ao ver um gol, não percebemos os detalhes nem a série de lances, alguns por acaso, que antecederam à jogada final. A TV costuma mostrar só o último toque. Se eu não tivesse visto Roberto se preparando para entrar em meu lugar, durante o jogo entre Brasil e Inglaterra, na Copa de 1970, não teria a ousadia de driblar vários ingleses e passar a Pelé, que deu para Jairzinho fazer o gol.

    No momento de um atleta decidir se passa ou se chuta para o gol, não sabemos se ele segue suas intuições, sua inteligência corporal, ou se, em uma fração de segundos, mapeia a posição dos companheiros, dos adversários e do goleiro. A decisão instantânea depende muito do equilíbrio emocional. Isso não aparece nas estatísticas. Faz parte também da realidade.

    Às vezes, não entendemos a realidade. Após a vitória do Brasil sobre a Holanda, na Copa de 1994, eu e o saudoso mestre Armando Nogueira ficamos um longo tempo, na redação da TV, vendo e revendo, milhões de vezes, em todos os ângulos, o gol de Romário. Ele corria e, para alcançar a bola, deu um impulso, ficou com as duas pernas no ar, sem nenhum apoio, e, mesmo assim, com total equilíbrio espacial, colocou a bola no canto. Genial!

    Passo de uma realidade a outra. Ontem, Mourinho, mestre do futebol de resultados, fez uma retranca e conseguiu o empate em 0 a 0. O placar já estava definido antes do jogo. Não houve nenhuma grande chance de gol. O Atlético de Madri cruzou mil bolas na área, mas a defesa do Chelsea não tem baixinhos, como a do Barcelona.

    Hoje, Bayern e Real Madrid, os dois melhores times do mundo, disputam a primeira partida da semifinal da Liga dos Campeões da Europa.

    O Bayern gosta de pressionar, ficar com a bola e comandar o jogo. O Real é mais cauteloso, traiçoeiro e usa muito bem o contra-ataque, com Bale e Cristiano Ronaldo. Assim, o Real pode ganhar a partida, com lançamentos nas costas dos zagueiros, que atuam adiantados. O Bayern sabe dos riscos e se prepara para isso. Por recuperar a bola com facilidade, dá poucas chances de contra-ataque.

    Grêmio e Atlético-MG, os dois fora de casa, correm muitos riscos na Libertadores. "Viver é perigoso" (João Guimarães Rosa). No futebol, mais ainda.

    tostão

    Médico e ex-jogador, é um dos heróis da conquista da Copa de 1970. Afastou-se dos campos devido a um problema de descolamento da retina. Escreve às quartas-feiras
    e aos domingos.

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