• Colunistas

    Thursday, 02-May-2024 00:15:07 -03
    Tostão

    O que somos e para aonde vamos?

    21/12/2014 02h00

    Quase 20 anos atrás, fui entrevistado por um pesquisador alemão, que, com a colaboração da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), fazia um trabalho sobre as razões da grande habilidade e criatividade dos jogadores brasileiros. Ele, nem ninguém, imaginaria os 7 a 1 e que a Alemanha tivesse hoje seis atletas entre os 23 melhores do mundo, enquanto o Brasil só tem um.

    Uma das conclusões do trabalho, esperada, foi a de que a fantasia brasileira surgia na infância, nos campos de terra, na brincadeira com a bola, sem regras e sem professores. Os grandes talentos, em todas as áreas, costumam ser os que continuam brincando, com seriedade.

    Hoje, a maioria dos meninos frequenta as escolinhas particulares, públicas ou dos clubes. Os Zé Regrinhas, em vez de deixarem as crianças descobrirem a intimidade com a bola, tentam ensinar as regras, a técnica, o jogo e como competir, antes de elas terem um desenvolvimento psicomotor adequado. Isso prejudica o aprimoramento da habilidade, da fantasia e, especialmente, da técnica, que deveria ser ensinada na adolescência, nas categorias de base.

    Mesmo assim, temos um grande número de jogadores habilidosos e criativos, mas com pouca lucidez e pouca técnica. Não existe arte nem craque sem ótima técnica. Já os europeus, menos habilidosos, aprimoraram a técnica individual e coletiva. Os grandes jogadores, mesmo quando não brilham, erram pouco. O comentarista Sorín, da ESPN Brasil, após um erro de passe de Kroos, disse, com ironia e criatividade, que a manchete do outro dia já estava pronta: "Kroos errou um passe".

    Existe uma antiga discussão se é melhor ter, nas categorias de base, como técnico, um ex-atleta ou um professor de educação física, com formação na área. Não há regras. Há ótimos e ruins treinadores nas duas situações. A maioria dos ex-atletas não se prepara para a nova função. Acha que sabe tudo. Além disso, muitos brilharam nos gramados, sem entender o jogo coletivo. Por outro lado, a maioria dos treinadores acadêmicos tem dificuldade para perceber as sutilezas de uma partida.

    A solução para melhorar a formação dos jogadores não é a volta ao passado nem aos campos de terra. Hoje, com ótimos gramados e com mais recursos científicos e tecnológicos, existem muito mais chances de as crianças desenvolverem a habilidade, a criatividade e a técnica, desde que sejam aprendidas no momento certo e que sejam bem ensinadas. O melhor professor é o que ensina o aluno a aprender sozinho.

    Após a final da Copa de 1970, o cineasta Pasolini disse que a poesia brasileira derrotou a prosa italiana. Na verdade, o Brasil tinha também uma ótima prosa. Hoje, não estamos bem em uma coisa nem outra, não sabemos o que somos, nem para onde vamos. Estou de férias.

    tostão

    Médico e ex-jogador, é um dos heróis da conquista da Copa de 1970. Afastou-se dos campos devido a um problema de descolamento da retina. Escreve às quartas-feiras
    e aos domingos.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024