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    Tostão

    Rituais e baboseiras

    04/03/2015 02h00

    Nos últimos dez anos, duas estratégias predominaram no futebol mundial, o que melhorou muito a qualidade do jogo.

    Uma, a estratégia da Espanha, principalmente do Barcelona, com Guardiola, de diminuir os espaços entre os setores e a distância entre o jogador mais recuado e o mais adiantado; de comandar o jogo, pressionar quem está com a bola e tentar recuperá-la perto do outro gol; e de trocar muitos passes, manter a posse de bola e esperar alguém se infiltrar, para finalizar.

    A outra estratégia, a mais usada pelos demais europeus, de, quando perder a bola, iniciar a marcação no meio-campo, para reduzir os espaços na defesa; de formar uma linha de quatro armadores (dois volantes e um meia de cada lado), à frente dos quatro defensores; e de contra-atacar, com troca de passes e velocidade.

    As duas estratégias são eficientes e se completam. Hoje, a maioria das grandes equipes usa as duas, durante o mesmo jogo, de acordo com o momento. Nas duas situações, existem vários jogadores que atuam de uma intermediária à outra. Nada disso funciona se não houver muita qualidade individual. A forma, sem conteúdo, é um vazio, uma medíocre repetição. O conteúdo, sem a forma, é uma dispersão, uma anarquia.

    O futebol brasileiro foi por outros caminhos, de ter mais espaços entre os setores e zagueiros encostados à grande área; de ter vários volantes apenas marcadores, com um único meia responsável pela armação das jogadas; e de excessos de bolas longas, chutões e lances isolados, individuais e coletivos, com pouca troca de passes.

    Isso começou a mudar com o Corinthians, campeão do mundo. Parecia um time europeu. Tite, agora, repete a mesma estratégia. O Cruzeiro, com Marcelo Oliveira, foi pelo mesmo caminho e se tornou bicampeão brasileiro. Os times dirigidos por Oswaldo Oliveira são também organizados e possuem a mesma estrutura. Outros treinadores, principalmente após a Copa de 2014, começaram a mudar, mas a maioria das equipes continua indefinida, com os vícios de tempos atrás.

    Não podemos confundir esporádicos e belos lances, individuais e coletivos, como o primeiro gol do São Paulo, contra o Danúbio, muito bem exaltado pelo mestre Juca, com um padrão coletivo de atuar, do início ao fim. Juca, mais uma vez, foi excessivamente generoso ao me elogiar. Sinto-me, ao seu lado e ao do PVC, como na Copa de 1970, cercado de craques. Juca elogiou também minha simplicidade. É apenas a consciência de minha insignificância e a do ser humano.

    Muitos relacionam o jogo coletivo com a união do grupo. São situações bem diferentes. União do grupo é a consciência de que, para o jogador brilhar, primeiro, tem de ter um bom conjunto e de que, às vezes, é necessário deixar de atuar como sabe melhor para beneficiar o coletivo.

    União do grupo não é fazer churrasco entre os atletas e a comissão técnica, todos se abraçarem com gritos de guerra, antes de entrarem em campo. Não é também o jogador elogiar o companheiro e o técnico, em entrevistas formais, nem participar de tantos outros rituais e baboseiras.

    tostão

    Médico e ex-jogador, é um dos heróis da conquista da Copa de 1970. Afastou-se dos campos devido a um problema de descolamento da retina. Escreve às quartas-feiras
    e aos domingos.

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