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    Tostão

    Óbvio, básico e essencial

    02/08/2015 02h00

    Para entender o futebol medíocre, na média, jogado no Brasil, nos últimos tempos, vou tentar fazer uma síntese dessa evolução, desde os anos 1950 e 1960, quando quase todos os times atuavam no 4-2-4, com quatro defensores, dois no meio-campo (um volante e um armador, camisa 8) e quatro atacantes (dois pontas, um centroavante e um ponta de lança, camisa 10). Em algumas equipes, como o Cruzeiro, o ponta de lança jogava com a 8, e o meia-armador, com a 10.

    Zagallo, nas Copas de 1958 e 1962, e Rivellino, na de 1970, foram os terceiros no meio-campo, para melhorar a marcação. Dois pontas esquerdas excepcionais, ambos do Santos, Pepe, em 1958 e 1962, e Edu, em 1970, ficaram na reserva.

    Como o Brasil teve vários grandes laterais, que marcavam e apoiavam, como Nilton Santos, Carlos Alberto, Júnior, Roberto Carlos, Jorginho, Leandro, Nelinho, Cafu e outros, muitos técnicos achavam que os pontas ocupavam os espaços dos laterais, quando estes avançavam. Lembra-se do Zé da Galera, personagem criado por Jô Soares, que protestava: "Bota ponta, Telê"?

    Desapareceram os pontas (não foi por culpa de Telê), e as equipes, durante um longo tempo, passaram a jogar com dois volantes marcadores (sumiram também o meias-armadores), dois meias de ligação e dois atacantes (4-2-2-2). Na prática, eram quatro atacantes, pois os meias não voltavam para marcar. Daí, a troca de um meia por um terceiro volante, formando um losango no meio (4-3-1-2), como alguns times jogam até hoje.

    A armação das jogadas passou a ser feita pelo avanço dos laterais –a maioria se limitava a correr e jogar a bola na área– e pelo meia de ligação, muito marcado. Como os volantes não tinham habilidade para trocar passes, proliferaram os chutões e as simulações para cavar faltas e jogar bolas na área. O futebol ficou feio, truncado e ruim.

    Na Europa, adotar o atual 4-2-3-1, que começou há mais de dez anos, foi natural, pois os times já tinham um meia de cada lado, desde 1966, com os ingleses. No Brasil, essa mudança foi radical, só começou, recentemente, com o Corinthians, campeão do mundo, pois não havia um meia de cada lado. Hoje, quase todas as equipes brasileiras atuam dessa forma. Mais difícil tem sido desfazer os vícios acumulados durante um longo tempo e passar a jogar de uma maneira mais compacta, com zagueiros adiantados, com a bola no chão e mais troca de passes.

    Chico Buarque escreveu, nos anos 1960, que os europeus eram os donos do campo, pela organização tática e ocupação dos espaços, enquanto os brasileiros eram os donos da bola, pela habilidade, fantasia e improvisação. Hoje, não somos mais os donos da bola nem do campo.

    Entregamos a bola para os adversários, eles gostaram, passaram a tratá-la bem e não querem devolvê-la. Para desconstruir e reconstruir nosso futebol, é preciso recuperá-la. Isso é essencial, óbvio e básico.

    O declínio, em qualquer atividade, acontece quando as instituições e os profissionais passam a gostar mais do sucesso, da fama e do dinheiro do que do prazer e do compromisso de fazer bem feito, cada dia melhor.

    tostão

    Médico e ex-jogador, é um dos heróis da conquista da Copa de 1970. Afastou-se dos campos devido a um problema de descolamento da retina. Escreve às quartas-feiras
    e aos domingos.

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