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    Tostão

    Inteligência artificial

    08/05/2016 02h00

    Quando começam os campeonatos nacionais em todo o mundo, longos e por pontos corridos, o chavão que mais escuto é que todas as partidas valem a mesma coisa. Na prática, não é o que se vê, pela irregularidade técnica e pelo comportamento emocional das equipes. Imagine se um time fizesse um enorme esforço coletivo mental e atuasse todas as partidas como se fossem decisivas, de mata-matas? É o que deve ter feito o Leicester.

    Outra razão do sucesso do time inglês é a sequência de fatores aleatórios, conhecidos e desconhecidos, que formaram um ciclo, uma corrente positiva. Todos os raríssimos e extraordinários fatos que acontecem no mundo, em todas as áreas, belíssimos ou trágicos, decorrem de uma série imprevisível e cumulativa.

    Após fazer o gol mais bonito de todas as Copas, pela Argentina, contra a Inglaterra, em 1986, Maradona contou que, quando recebeu a bola em seu campo, quis passá-la, mas surgiu um inglês à sua frente, e ele teve de driblá-lo. Apareceu outro e, novamente, foi obrigado a driblar. Assim, sucessivamente, Maradona driblou vários defensores, o goleiro e fez o gol. Foi a união de um fenomenal talento com uma série de acasos.

    Outro motivo da conquista do Leicester foi a ascensão das pequenas equipes inglesas, muito mais importante do que a queda das grandes. Todas as partidas, entre os grandes, entre os pequenos e entre os pequenos e os grandes, passaram a ser difíceis, equilibradas. Com isso, aumentou, matematicamente, a chance de um pequeno, durante todo o campeonato, vencer mais que as grandes equipes.

    O Atlético de Madri faz o mesmo há vários anos, pois joga todas as partidas do Campeonato Espanhol e da Liga dos Campeões com uma alta concentração mental, seja contra o Bayern ou o Barcelona ou contra um pequeno na Espanha. Evidentemente, o Atlético é uma equipe, individualmente, muito superior ao Leicester, pois quase todos os jogadores atuam em grandes seleções. A final contra o Real Madrid não tem favorito.

    Além da evolução mental, repito, as equipes pequenas ou inferiores aprenderam, quando perdem a bola, a recompor rapidamente e formar duas linhas próximas e recuadas de quatro jogadores ou uma de quatro e outra de cinco, para fechar os espaços e contra-atacar com troca rápida de passes. Isso ocorre em todo o mundo. O América-MG, jogando dessa forma, não perdeu os últimos seis clássicos contra Atlético-MG e Cruzeiro. O Audax é exceção. Joga contra os teoricamente superiores como se fossem o Bayern ou o Barcelona, uma adorável prepotência.

    Para tanta concentração mental e tanta movimentação para defender e atacar, os jogadores precisam ter excepcional preparo físico. Atuam no limite, como um robô em um corpo humano. Daí, tantas contusões.

    O sonho de todo treinador é acabar com os acasos e transformar o futebol em uma disputa física, tática e de informações, jogadas no computador, à espera que a máquina traga as respostas e as condutas. As análises das partidas iriam para o mesmo caminho, com a vantagem de a máquina não ter preconceitos nem variações de humor. A inteligência artificial já seria uma realidade? Parafraseando Charles Chaplin, não sois homens, máquinas é que sois.

    tostão

    Médico e ex-jogador, é um dos heróis da conquista da Copa de 1970. Afastou-se dos campos devido a um problema de descolamento da retina. Escreve às quartas-feiras
    e aos domingos.

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