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    Tostão

    Somos todos imprevisíveis

    03/07/2016 02h00

    Em todo o mundo, especialmente no Brasil, sempre que um time ganha várias partidas seguidas ou um campeonato, todas as virtudes são excessivamente aumentadas e todas as deficiências, esquecidas. Nas grandes derrotas, nada presta. É tudo ou nada, euforia ou depressão.

    Após a eliminação da Espanha para a Itália na atual Eurocopa, dois anos depois de ter saído na primeira fase do Mundial de 2014, há quase uma unanimidade, na Espanha e em todo o mundo, de que é necessária uma profunda renovação de jogadores e da maneira de jogar do time espanhol.

    Não vejo assim. Os meio-campistas da Espanha (Busquets, Iniesta, Fábregas, Thiago Alcântara, Davi Silva e outros), os dois zagueiros (Sergio Ramos e Piqué), o lateral-esquerdo Jordi Alba, o goleiro De Gea e até o razoável lateral-direito Juanfran são destaques de grandes times do mundo. A Espanha, com muita troca de passes e posse de bola, tem um estilo parecido ao do Barcelona, um time encantador e que geralmente vence.

    O problema da Espanha está no ataque. Morata, Nolito, Pedro e outros são bons, mas fracos para uma grande seleção. Todos os excepcionais atacantes do Barcelona, do Real Madrid, além de Griezmann e Carrasco, do Atlético de Madri, são estrangeiros. Essa carência já existia nas grandes conquistas da Copa do Mundo de 2010 e da Eurocopa de 2012. O centroavante Fernando Torres só foi bem na Eurocopa de 2008.

    O meio-campo da Espanha era tão espetacular que o time dominava o jogo, ficava com a bola e não dava chances ao adversário. Fazia um gol e ganhava por 1 a 0. A Espanha foi a seleção campeã do mundo que marcou menos gols.

    Os espanhóis precisam discutir a razão de não formarem excepcionais atacantes. A importância dada ao passe, símbolo do jogo coletivo, faz com que surjam grandes meio-campistas, em detrimento dos grandes meias e atacantes dribladores, agressivos e excelentes finalizadores. O ideal é unir o drible e o passe, a lucidez e a agressividade, o talento individual e o coletivo.

    Além da pouca qualidade individual, a Espanha, como todas as grandes seleções, tem tido muitas dificuldades ofensivas. Os times inferiores, quando perdem a bola, recuam rapidamente, formam duas linhas de quatro ou uma de quatro e outra de cinco, com poucos espaços entre elas, e não permitem que a equipe que tenha a bola penetre na área para finalizar. Isso aumenta os cruzamentos para a área, geralmente, com pouco sucesso, o que tem acontecido em todo o mundo, inclusive no Brasileirão.

    Mesmo nas partidas entre grandes times, o que perde a bola, quando não dá para recuperá-la onde a perdeu, recompõe rapidamente e bloqueia a entrada da área. Um time ataca, e o outro defende. Em seguida, trocam de posições. Parece até combinado. Muitas vezes, o jogo fica chato, com poucas chances de gol e sem emoção.

    Os jogadores atuais, cada vez mais disciplinados e mais bem preparados fisicamente, vão e voltam com enorme rapidez. Não sei aonde isso vai parar. A estratégia é cada dia mais decisiva. O que não se pode é achar que tudo o que acontece no jogo é consequência do planejamento tático. É impossível acabar com tantos outros fatores técnicos, individuais, além do acaso e do mistério. Somos todos imprevisíveis.

    tostão

    Médico e ex-jogador, é um dos heróis da conquista da Copa de 1970. Afastou-se dos campos devido a um problema de descolamento da retina. Escreve às quartas-feiras
    e aos domingos.

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