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    Tostão

    Não entendo muitas coisas no futebol

    24/07/2016 02h00

    Não entendo muitas coisas que são frequentes no futebol brasileiro.

    Não entendo por que, no auge da ciência esportiva, da tecnologia, da presença de tantos especialistas nas comissões técnicas e das estatísticas que calculam e medem tudo, até quantos suspiros um jogador dá durante uma partida, há tantos atletas no departamento médico, por causa de lesões, estiramentos ou distensões musculares. Não me refiro às contusões por traumas.

    Uma das razões seria que eles correm muito e atuam no limite entre a altíssima performance física e as lesões. Mesmo assim, não entendo o número elevado, já que os atletas fazem, frequentemente, exames de sangue, como a dosagem de lactato, que mede os riscos de um potencial problema muscular. Quando a dosagem está alta, os jogadores costumam ser poupados.

    Isso me faz lembrar de Pelé. Mesmo não tendo nenhum cuidado especial na infância, mesmo sem a ajuda da moderna ciência esportiva, mesmo jogando muito e treinando pouco, pois o Santos era um time do mundo, que atuava três vezes por semana, quase sempre em países diferentes, Pelé era um superatleta, um fenômeno técnico e físico.

    Não entendo por que os clubes, com tantos técnicos competentes e com analistas de desempenho, atividade da moda, um avanço científico, costumam contratar muito, e mal. Trazem jogadores caríssimos, bons, e pagam como se fossem craques, ou contratam dezenas de jogadores medianos, medíocres. Melhor do que três ruins é um bom. Um dos motivos seria a dependência e as relações promíscuas de alguns clubes com empresários.

    Não entendo por que, pelo que vi nos treinos diários em várias Copas do Mundo, ou pelo que vejo nas reportagens da televisão, os técnicos de todo o mundo fazem tantos treinamentos de dois toques, em campos pequenos. Sei que são eficientes, que ajudam o atleta a tocar rápido, quando é marcado de perto, mas essa enorme obsessão dificulta o mais importante aprendizado de um grande jogador, que é a capacidade de tomar uma decisão no instante do lance, de saber se é melhor dar um, dois ou três toques, ou driblar um ou dois adversários. Os times estão cada vez mais padronizados, com excessiva troca de passes em dois toques. É preciso juntar a repetição e a improvisação.

    Não entendo por que muitos comentaristas fazem tanta confusão sobre os sistemas táticos, sobre a nomenclatura no futebol, sobre as diferenças entre os atuais meias ofensivos e os antigos pontas de lança, sobre os camisas 8 e os camisas 10 do passado e sobre tantos outros detalhes. Se os comentaristas têm dificuldades, imagine um jovem que quer entender e aprender futebol.

    Não entendo por que insistem em dizer que Pato tem muito talento e que só não é craque porque não quer. Como alguém não vai querer ser craque? Ele é um bom atacante, tem tudo para ser um bom reforço para o Corinthians, mas não tem a lucidez de um craque. É confuso e, geralmente, toma decisões erradas.

    Não entendo por que o Flamengo contrata o bom centroavante Guerrero e paga a ele como se fosse um Suárez. Pior, contrata outro centroavante, Leandro Damião, pior do que Guerrero, e paga a ele como se fosse Ibrahimovic. Pior, atrapalha a carreira de um promissor jovem centroavante, Vizeu.

    Não entendo muitas coisas. Às vezes, também não me entendo.

    Pedro Martins/Agif/Folhapress
    Guerrero comemora gol do Flamengo em jogo contra o Botafogo
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    tostão

    Médico e ex-jogador, é um dos heróis da conquista da Copa de 1970. Afastou-se dos campos devido a um problema de descolamento da retina. Escreve às quartas-feiras
    e aos domingos.

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