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    Vanessa Barbara

    Um novo conceito em fila de ônibus

    12/01/2014 02h30

    Depois dizem que a prefeitura não faz planejamento. Pois vejam vocês: ao longo das últimas administrações, lenta e sistematicamente, colocou-se em prática um plano pioneiro em políticas públicas no Jardim São Paulo, zona norte.

    De início, logo após a inauguração do metrô no bairro, em 1998, ficou definido que apenas uma linha de ônibus atenderia o ponto: 178Y/ Vila Amélia - Metrô Jardim São Paulo. Isso contrariava a expectativa de que a nova estação serviria para desafogar o sempre saturado terminal Santana, para onde convergem quase todas as linhas das redondezas.

    E é assim até hoje. O itinerário de seis quilômetros do 178Y é percorrido por uma frota de 13 micro-ônibus verdadeiramente intimistas, com capacidade para 21 pessoas sentadas (nenhuma delas acima do peso) e 12 em pé (sem sacolas). No interior das peruas, invariavelmente lotadas, é proibido amarrar o cabelo e vestir a blusa.

    Ilustração Catarina Bessel

    Entre os nativos, é lendário o comprimento da fila, que oscila entre o risível e o estratosférico. Nos horários de pico, o tempo de espera para embarque é de 50 minutos, com os veículos chegando e saindo quase na mesma hora, abarrotados de sardinhas.

    Inventiva, a população bolou um esquema de duas filas: uma de passageiros que querem viajar sentados e outra de pessoas que irão em pé. A primeira corre junto à calçada e a segunda, perpendicular a esta, cruza o parque Domingos Luís. Um fiscal coordena a operação, fazendo a contagem dos passageiros e entoando os clássicos "sobe aí um degrau" e "um passinho para a frente, por gentileza". Não raro, os que estão na fila dos sentados têm que ir de pé, e os da outra fila vão deitados sobre o motor, em posição de tatu-bola.

    O ponto de ônibus é um abrigo robusto, dos antigos. Acaba de ganhar dois bancos de concreto que foram trazidos do meio da praça pela rapaziada, preocupada com o conforto dos que esperam ­—três, quatro veículos— até conseguirem entrar.

    Em decorrência dessa intrigante logística dos transportes (uma linha só, composta unicamente de micro-ônibus), o comércio informal de pipoca, milho, refri, sanduíche de pernil, hot dog e espetinho triplicou no entorno. Não há estatísticas oficiais, mas estima-se que o pipoqueiro Paulinho deve entrar para a próxima lista da Forbes.

    É a prefeitura incentivando os pequenos empreendimentos, a meditação zen-budista, o contato íntimo e a amizade entre os locais.

    vanessa barbara

    Escreveu até julho de 2014

    Jornalista, cronista e tradutora, é colunista do "International New York Times''. É autora de "O Livro Amarelo do Terminal" (Ed. Cosac Naify, Prêmio Jabuti de Reportagem) e "Noites de Alface" (Ed. Alfaguara). É editora de "A Hortaliça" (www.hortifruti.org).

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