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    Vanessa Barbara

    Novos indicadores para o IBGE

    11/05/2014 02h00

    Tomado por um respeitável furor estatístico, meu vizinho Mauro contabilizou um total de 14 Fuscas na nossa área, num raio de quinhentos metros.

    Só na minha rua, temos sete tartarugas de água doce, cinquenta cachorros, uma mesa de pingue-pongue, um caminhão desmontado, duas caçambas, um pé de amoras e o maior índice de rádios de pilha da região metropolitana: 3,4 per capita. (A contagem é aproximada e carece de checagem; consta que o próprio Mauro inflacionou essa média ao possuir oito unidades.)

    Ilustração Catarina Bessell

    Não sei quem é o responsável por definir os critérios de classificação socioeconômica utilizados pelo IBGE, mas proponho novas categorias para a estratificação das massas, sobretudo na microrregião da zona norte.

    No questionário-padrão, é comum perguntar a quantidade de geladeiras e máquinas de lavar no domicílio. Proponho trocar esse índice pelo número de máquinas de costura e filtros de barro. Se o botijão de gás possuir roupinha de crochê, a família ganha pontos adicionais.

    O Censo Oficial da Zona Norte substituiria o número de banheiros pela existência de jardins, com a contabilização minuciosa das espécies e o fato de terem ou não nomes individuais. Cachorros com sobrenome também seriam dignos de nota.

    A existência de aparelhos de DVD e notebooks deve ser contrabalançada pela presença de engenhocas jurássicas em pleno funcionamento, como máquinas de escrever, videocassetes, antenas externas, vitrolas e computadores com entrada para disquete. Ar-condicionado é uma possibilidade, mas ventiladores de pedestal e piscinas de plástico são compulsórios (média de 3,1 por habitação).

    O recenseamento contará com perguntas como: "Quando foi a última vez que ouviu o caminhão da pamonha?" e "Você conhece o barbeiro Luiz?". Em vez de motocicletas haverá o cálculo de bicicletas, skates, carrinhos de rolimã, patins, motocas, pogobóis, charretes, galos e cavalos.

    Na zona norte, o IBGE terá que recensear individualmente os gatos, que não pertencem a esta ou aquela residência e são considerados indivíduos independentes com domicílio nômade. Os telhados da minha rua são dominados pela gangue do Polaco, um gato branco e calculista que está sempre onde menos se espera. Seus capangas são um felino negro de olhos verdes e outro malhado, de ar ditatorial. Eles dominam as ruas quando anoitece.

    Um bom recenseamento por estas bandas priorizaria a quantidade de varais de corda e puxadinhos, além de portões de cores exóticas. Entre os itens essenciais num domicílio de classe AAA local constam um telefone de disco, um balde de alumínio e uma raquete de matar mosquitos.

    vanessa barbara

    Escreveu até julho de 2014

    Jornalista, cronista e tradutora, é colunista do "International New York Times''. É autora de "O Livro Amarelo do Terminal" (Ed. Cosac Naify, Prêmio Jabuti de Reportagem) e "Noites de Alface" (Ed. Alfaguara). É editora de "A Hortaliça" (www.hortifruti.org).

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