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    Vera Guimarães Martins

    É furo: Lula vai apoiar Dilma na TV

    24/08/2014 02h00

    Manchete da capa de terça (19): "Na TV, Lula prometerá um 2º governo Dilma 'melhor'". Na linha abaixo do título: "Petista pedirá voto 'sem medo' na presidente, em estreia de programa eleitoral".

    Que outro enunciado poderia o PT pedir aos céus senão algo assim, estampado em quatro colunas na "Primeira Página" da Folha, exatamente no dia da estreia do horário eleitoral gratuito?

    Não por acaso, a reportagem foi replicada em site alinhado ao partido, que postou link para o conteúdo integral do texto no jornal. Certos estão os aliados em tirar proveito da generosidade inusual.

    Adiantar o conteúdo de um programa cuja divulgação era de grande interesse do partido não chega a ser furo relevante, mas o relato, inédito, tinha seu valor jornalístico.

    O problema foi o destaque conferido a uma notícia do tipo que os jornalistas definimos como "o cachorro mordeu o homem". Traduzindo, um fato corriqueiro, esperado, que segue a ordem natural das coisas.

    A rigor, a manchete só deveria contemplar o inverso, o fato de "o homem morder o cachorro" -o que seria o caso, se Lula não fosse trabalhar para eleger sua candidata.

    "A manchete de hoje é falta de assunto?", perguntou um leitor. Era.

    A Secretaria de Redação justificou o destaque afirmando que se tratava de uma apuração exclusiva da Sucursal em Brasília.

    "Conseguimos antecipar dois pontos [do programa de TV]: o uso do ex-presidente Lula mais uma vez como principal cabo eleitoral de Dilma, assim como ocorreu em 2010, e o mea-culpa petista de que as coisas não andaram muito bem neste atual mandato."

    Vamos combinar que nenhum dos dois valia o peso dado. O primeiro ponto é uma obviedade e o segundo, uma ilação. É preciso grande dose de boa vontade ou ingenuidade para crer que Lula estivesse criticando o governo da pupila ao dizer que um eventual segundo mandato dela será melhor que o primeiro.

    Mas a questão principal é que faltou equilíbrio na "Primeira Página". Se a maior novidade (!) do horário eleitoral vinha dos petistas, a edição poderia ter contrabalançado a exposição maior do partido dando destaque, na linha abaixo do título, aos outros candidatos. Não deu. PSDB e PSB só apareceram no último parágrafo da chamada.

    Para evitar equívocos e acusações fáceis, enfatizo que meu ponto não é quem foi o beneficiado, mas o desequilíbrio noticioso. Na dúvida, sugiro o exercício inverso: e se a manchete fosse Fernando Henrique Cardoso prometendo que Aécio Neves fará um governo melhor?

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    O medo do contágio

    A Folha surpreendeu os leitores ao publicar no domingo (17) reportagens de dois enviados especiais a Serra Leoa, um dos países africanos mais castigados pela epidemia do ebola. Ter jornalistas cobrindo fatos importantes "in loco" é medida a ser celebrada, mas neste caso o jornal pisou na bola.

    Não por expor seus profissionais e a população brasileira ao risco, como acusou uma médica no "Painel do Leitor" (19), mas por descuidar do dever de informar sobre as precauções tomadas.

    A doença é altamente contagiosa, não tem cura e já matou cerca de 1.350 pessoas. Países do oeste africano fecharam fronteiras e criaram barreiras sanitárias para evitar a propagação do vírus.

    O medo da leitora é, portanto, natural, mas a Redação se esqueceu disso -embora se tenha lembrado de bater o bumbo do marketing, informando que eram os primeiros brasileiros a chegar ao epicentro da epidemia. A omissão foi corrigida na quarta (20).

    A proposta de cobertura partiu da repórter Patrícia Campos Mello e do fotógrafo Avener Prado. Além de tomar cuidados preventivos, a dupla decidiu que, na volta, ficará em isolamento num flat por dez dias -um cuidado desnecessário, segundo os infectologistas. Postei no site relato de Patrícia contando como foi a preparação.

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    'É preciso divulgar o trabalho dos médicos na África'

    Patrícia Campos Mello, repórter especial da Folha, foi correspondente em Washington durante quatro anos. Cobriu os atentados de 11 de Setembro, a eleição do presidente Obama, a crise financeira e a guerra do Afeganistão.

    Partiu dela e do fotógrafo Avener Prado a proposta de cobertura da epidemia de ebola em Serra Leoa, na África Ocidental.

    Avener Prado/Folhapress
    Avener Prado, 23 anos, repórter fotográfico e Patricia Campos Mello, 39 anos, repórter especial
    Avener Prado, 23 anos, repórter fotográfico e Patricia Campos Mello, 39 anos, repórter especial

    Por e-mail, ela contou como foi a preparação.

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    Foi você quem propôs ir a Serra Leoa para cobrir a epidemia?

    Patrícia Campos Mello - Sim. Há dois meses e meio, vinha negociando com os Médicos Sem Fronteiras sobre a possibilidade de visitar o hospital deles em Kailahun, antes do agravamento da epidemia. Coincidentemente, o Avener [Prado, fotógrafo] também tinha entrado em contato com os MSF posteriormente.

    Eles estão fazendo um trabalho incrível, com pouquíssimos recursos. É importante que haja jornalistas divulgando a história, que envolve um país muito pobre e costuma ser mal coberto pela imprensa. Fomos também ao hospital em Kenema entrevistar os sobreviventes, sempre tomando todos os cuidados recomendados, não encostar em nada nem em ninguém.

    Quais os cuidados preventivos tomados antes da ida?

    Passamos por um infectologista e pelo ambulatório do viajante do Hospital das Clínicas. Tivemos uma reunião com os MSF sobre todos os riscos, regras e também sobre a pressão psicológica. Tomamos sete vacinas cada um e estamos usando medicamento contra a malária. Trouxemos telefones que funcionam via satélite, porque em alguns locais não há sinal de telefone, além de não ter luz nem água.

    Quais as orientações da Secretaria de Redação à dupla de enviados durante a estadia no país?

    Que a prioridade, em qualquer circunstância, era nossa segurança. Sempre seguir as regras dos MSF e jamais passar dos limites impostos pela equipe. Como a doença só é transmitida por contato com fluidos de pessoas infectadas, a ordem era jamais tocar em ninguém e medir a temperatura duas vezes por dia.

    Qual será o procedimento quando voltarem?

    Consultamos infectologistas sobre a nossa volta. Resolvemos ficar dez dias em isolamento em um flat, embora não fosse necessário, segundo os médicos. Segundo Caio Rosenthal, especialista dos hospitais Emílio Ribas e Albert Einstein, a doença só é transmitida por contato com fluidos de pessoas infectadas. A única recomendação é medir a temperatura duas vezes por dia, durante 21 dias, pois é o período máximo de incubação.

    Foi a mesma orientação dada pelo Center for Disease Control (Centro de Controle e Prevenção de Doenças, agência do Departamento de Saúde do governo norte-americano). Não existe recomendação de quarentena. Havia jornalistas do "New York Times", da BBC, da agência AFP, do "Washington Post" lá. Todos seguiram esse mesmo procedimento, assim como os profissionais do Médicos sem Fronteiras e os especialistas do próprio CDC.

    vera guimarães martins

    Escreveu até julho de 2016

    Jornalista, foi ombudsman da Folha. Atualmente é repórter especial. Está no jornal desde 1990.

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