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    Vera Guimarães Martins

    O voto que só não diz o nome

    19/10/2014 02h00

    Onde termina a liberdade de opinião e começa o proselitismo partidário? A Folha tropeçou ruidosamente na questão nesta semana, com o pedido de demissão do colunista Xico Sá, de "Esporte".

    Na sexta (10), Xico enviou uma coluna em que declarava voto em Dilma Rousseff (PT). A Secretaria de Redação vetou, lembrando que o espaço não podia ser usado para isso: ele deveria mudar o texto ou publicá-lo na seção Tendências/Debates, na pág. A3. Ele rejeitou a proposta e anunciou sua demissão nas redes sociais, com posts em que acusava a "imprensa burguesa" de contar mentiras e investigar só um lado.

    Nunca chegou a acusar o jornal de censura, mas foi essa a versão que se espalhou, provocando indignação e, sobretudo, incompreensão dos critérios do jornal.

    "Poucos minutos de pesquisa revelarão dezenas de colunistas fazendo o mesmo em seus espaços cotidianamente. Meu Deus, a Folha publica semanalmente Janio de Freitas e Reinaldo Azevedo!", escreveu o leitor Marcel Davi de Melo, sintetizando o tom dos protestos.

    É realmente uma situação difícil de entender. Qualquer leitor atento é capaz de identificar as preferências dos colunistas, escancaradas nas defesas que fazem de um determinado candidato ou nos ataques ao seu adversário. Para a direção do jornal, porém, isso não se enquadra no conceito de proselitismo.

    "A crítica e o elogio a programas de governo, candidatos e partidos, bem como a expressão das inclinações político-ideológicas do colunista, não estão incluídos na restrição, que incide tão somente sobre proselitismo partidário (fazer propaganda de uma agremiação) e declaração de voto", explicou a Secretaria de Redação.

    Bem, mas achar que o ambiente político permite discernir uma coisa da outra é flertar com a irrealidade. Quem realmente acredita que atacar ou defender sistematicamente um partido, como fazem alguns colunistas, não é "fazer propaganda de uma agremiação"?

    Para piorar o que já é confuso, na mesma segunda-feira (13) em que se espalhou a notícia da demissão, o caderno "Eleições" publicou texto no qual Gregorio Duvivier declarava seu voto no PT. "Alguns podem e outros não?", perguntaram leitores.

    Nesse caso houve falha de controle, admitiu o jornal. Toda coluna é desembargada pelo editor ou por um secretário, e a de Duvivier escapou do filtro. O lapso é sintoma de que a sutileza do critério não foi bem compreendida nem internamente.

    A Secretaria de Redação diz que a regra foi estabelecida para prevenir que as colunas regulares do jornal se transformem em palanques em época de eleição. "Foi instituída também com a finalidade de estimular seus autores a estabelecer um diálogo qualificado com leitores de todos os matizes ideológicos e partidários, inclusive com aqueles, majoritários no público que lê a Folha, que não demonstram afinidades político-partidárias."

    Além de não evitar o palanque, a norma caducou diante da multiplicação de colunistas e do acirramento da polarização partidária. Soa ingênuo crer que todos os autores estão interessados em dialogar com leitores de todos os matizes ideológicos. Parte deles está contente em pregar só para a sua plateia.

    E soa contraditório que um jornal que se orgulha de pôr em prática a mais ampla liberdade de opinião tente enquadrar o pleno exercício dessa liberdade no capítulo final da saga eleitoral. É mais ou menos como tentar passar a tranca depois que a porta foi arrombada.

    *

    Desde a quarta (15), estive procurando Xico Sá por telefone, e-mail e por um amigo em comum. Queria ouvir sua versão e pedir autorização para publicar no site a coluna suspensa, para conhecimento de todos os leitores. Não houve resposta.

    Xico é uma pessoa querida, mas não posso deixar de mencionar duas atitudes que me incomodaram no episódio de sua saída.

    A primeira é que sua "saraivada de posts de escárnio e maldizer nas redes sociais", como ele definiu em longa nota no Facebook, embolou na mesma vala de suspeição e descrédito todos os jornalistas. No seu "espasmo de ira", retratou os colegas como pusilânimes que se sujeitam a contar mentiras para produzir um "jornalismo safado".

    A segunda foi escrever que mentiu muito quando era repórter de Folha e "Veja" e que um dia vai contar "tudo o que sabe" sobre assuntos que os grandes jornais não deixam publicar. Conte mesmo, Xico. Insinuações vagas não melhoram o jornalismo, pioram a política e mancham sua biografia.

    vera guimarães martins

    Escreveu até julho de 2016

    Jornalista, foi ombudsman da Folha. Atualmente é repórter especial. Está no jornal desde 1990.

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