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    Vera Guimarães Martins

    O que disseram os pesquisadores independentes

    29/03/2015 02h01

    O repórter Thiago Nascimento, do departamento de ombudsman da Folha, ouviu Moacyr Duarte, 56, pesquisador sênior da Coppe, instituto de engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e Marcelo Zuffo, 48, professor titular da Escola Politécnica da USP.

    1) POR QUE AS ESTIMATIVAS FORAM TÃO DIFERENTES?

    "Não existe uma especialidade na ciência para contar multidões. O que há são estudos de 'crowd management' (gerenciamento de multidão) para entender o comportamento de grandes massas", afirma Duarte, da UFRJ.

    "Não há um método consensual, as técnicas ainda estão se desenvolvendo do ponto de vista científico. A modelagem comportamental usa métodos estatísticos sofisticados, mas os modelos de primeira ordem têm uma variabilidade grande", declara Zuffo, da USP. "Cada um dos conhecimentos na área surgiu de demandas diferentes, como avaliar o nível de segurança em estádios, planejar o grau conforto em aeroportos e organizar a evacuação de multidões em situações de emergência."

    Mauro Paulino, do Datafolha, concorda. "Por isso diferentes métodos são testados e desenvolvidos com esse objetivo. É claro que a tecnologia e os recursos disponíveis limitam o escopo dessas empreitadas. É importante enfatizar que os números divulgados constituem estimativas que, apesar de tentarem se aproximar ao máximo do fenômeno, não pressupõem precisão aritmética."

    2) LIMITAÇÃO OU FALHAS

    — METODOLOGIA DA POLÍCIA MILITAR

    Captação de imagem

    "As imagens captadas apresentam distorção no campo de profundidade. Para uma contagem precisa da densidade, as fotografias deveriam ter sido ortogonais, ou seja, tiradas em um ângulo de 90º em relação ao chão", explica Moacyr Duarte. É a chamada "visada de topo" (veja gráfico cedido pelo pesquisador)", que só retrata cabeças e espaços vazios no solo _quanto menor a densidade, mais se vê o chão. Sobreposta no mapa georreferenciado do local, a "visada de topo" permite um cálculo mais próximo do número de pessoas que ocupam o espaço.

    Divulgação
    Esquema cedido pelo pesquisador Moacyr Duarte, da UFRJ -- Diferença entre as visadas oblíqua e de topo
    Esquema cedido por Moacyr Duarte, da UFRJ – Diferença entre as visadas oblíqua e de topo

    As fotos da Polícia Militar usam a "visada oblíqua", que rendem imagens mais interessantes, mas não permitem perceber os campos de densidades diferentes na multidão e acabam propagando um erro muito grande no resultado, afirma o pesquisador da UFRJ.

    "Se você faz uma filmagem oblíqua, o ponto mais distante da imagem terá um distorção muito grande. A polícia não tem condições de afirmar o que afirmou com essas imagens", conclui o pesquisador da UFRJ.

    Zuffo aponta um problema de oclusão nas imagens captadas pela PM. "Algumas pessoas escondem outras, devido ao ângulo em que foram captadas as imagens. Isso é um ruído que pode gerar um erro grande no resultado final."

    Densidade por m²

    "A densidade de cinco pessoas por metro quadrado, da PM, não é absurda", afirma Moacyr Duarte. "O erro é assumir esse valor para toda uma área. As aglomerações humanas têm densidades variadas e irregulares."
    O manual para estimativa de multidões do CEPD (Centro de Estudos e Pesquisas de Desastres) da Prefeitura do Rio de Janeiro explica que essa densidade é muito rara.

    "Ela ocorre em eventos concorridos, porém somente no perímetro privilegiado adjacente ao cinturão de pessoas que cerca o acontecimento (um carro de som, por exemplo), depois vai rareando."

    A densidade média mais comum em grandes concentrações, segundo o manual do CEPD, é de três pessoas por metro quadrado.

    Marcelo Zuffo, da USP, vai na mesma direção. "É razoável a concentração de cinco pessoas por metro quadrado, mas considerar esse número para toda a avenida aumenta a distorção no resultado final. Nenhuma aglomeração humana é homogênea. Existem setores com densidades diferentes", disse o professor da USP.

    O que disse a PM

    A Diretoria de Comunicação e Imprensa da Secretaria de Segurança Pública, chefiada por Lucas Tavares, foi procurada desde terça-feira (24) para comentar as críticas feitas pelos dois pesquisadores independentes, mas não respondeu até a noite de sexta-feira (27).

    Em mensagem enviada na semana anterior (20/3), Tavares relatou como se chegou ao resultado de 1 milhão de manifestantes.

    "Quanto à metodologia usada no cálculo, a PM informa que as fotos, parte das quais enviamos em anexo [publicadas acima], permitiram chegar a uma média de 5 pessoas por metro quadrado.
    Os cálculos foram feitos com base em imagens aéreas colhidas pelos helicópteros Águia e por policiais em terra. As fotos foram submetidas a programas de georreferenciamento, isto é, foram cruzadas com os mapas dos locais por meio de sistemas informatizados.
    A estimativa de 1 milhão de pessoas foi feita por volta das 15h40 e considerou a extensão da avenida Paulista, da praça Oswaldo Cruz até a rua da Consolação e a ocupação das ruas adjacentes e paralelas, além do vão livre do Masp."

    — METODOLOGIA DO DATAFOLHA

    O método do Datafolha, que divide a região em microáreas percorridas por pesquisadores no chão, também tem limitações, dizem os entrevistados. O profissional pode ser enganado pela dinâmica da multidão enquanto se move de um lugar a outro.

    "É um erro supor que a densidade naquela região preestabelecida seja a mesma. O melhor seria desenhar as regiões de densidades variadas após analisar as imagens", avalia Moacyr Duarte.

    O fato de o Datafolha não trabalhar com imagens é outra limitação. "Sem imagens é mais difícil estabelecer as manchas de densidade. Essas manchas não seguem o formato da rua ou de quarteirões e não são homogêneas."

    A distorção desse método, porém, é menor, diz Duarte. "Assumir que as formas das microáreas que o pesquisador verificou são homogêneas dá um desvio menor no resultado do que você assumir que a multidão inteira tem 5 pessoas/m². O desvio do Datafolha propaga-se de forma menos ruim do que o erro da polícia."

    Marcelo Zuffo, da USP, considerou baixa a densidade média calculada a partir dos dados do Datafolha. "Dividindo a área da avenida Paulista pela quantidade de pessoas estimada pelo instituto, temos cerca de 1,5 pessoa por metro quadrado. Essa densidade média me parece muito baixa para a manifestação."

    O que disse o Datafolha

    Mauro Paulino, diretor-geral do Datafolha, disse que o instituto não subestimou a quantidade de manifestantes na Paulista. "Os resultados de fato são estimativas que não se propõem precisas, mas revelar o patamar mais próximo da realidade. E o instituto acredita que seu número fornece ordem de grandeza e dimensão mais próximos da realidade. 210 mil pessoas é uma mobilização impressionante, equivalente ao público de três finais de Copa do Mundo no Maracanã."

    Paulino afirmou que o instituto não usou imagens "porque elas forneceriam material de análise para um horário específico e não dariam conta da população flutuante que passou pelo evento. No caso das transversais, não conseguiria separar as pessoas que ali estavam por algum outro motivo _como a fila do cinema na Augusta, por exemplo."

    Sobre as imprecisões que poderiam resultar do uso de pesquisadores na rua, Paulino respondeu que "é justamente o deslocamento dos 30 pesquisadores, e não uma simples contagem de pessoas, que é utilizado como parâmetro".

    "Áreas onde o pesquisador consegue circular livremente têm a concentração máxima de 2 pessoas/m². A mobilidade passa a ficar prejudicada quando a concentração ultrapassa 3 pessoas/m². A média ponderada obtida na totalização dos micro-setores e depois, na totalização do evento, reduzem eventuais efeitos sobre o resultado geral. Essa distribuição por toda a via, com escalas de horário pré-determinadas, minimiza eventuais desvios.

    Paulino contesta a questão do tempo de deslocamento. "Esse raciocínio vale mais para cálculos por foto: uma panorâmica da avenida inteira deveria ser tirada no mesmo instante para se chegar ao número de pessoas reunidas naquele horário específico, o que não parece ser o caso da metodologia da PM.

    O diretor do Datafolha também não acredita que a não inclusão do público nas transversais tenha alterado muito o número final. "A distorção para baixo aconteceria somente se esse estrato de manifestantes não entrasse na Paulista durante as quatro horas do evento."

    vera guimarães martins

    Escreveu até julho de 2016

    Jornalista, foi ombudsman da Folha. Atualmente é repórter especial. Está no jornal desde 1990.

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