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    Vera Guimarães Martins

    Universidade Columbia analisa erros da 'Rolling Stone' em reportagem

    02/08/2015 02h00

    A coluna publicada em 2/8 cita relatório sobre a sequência de erros que culminou em reportagem de grande repercussão da revista norte-americana "Rolling Stone" sobre um suposto estupro em uma universidade.

    Após a publicação, a reportagem revelou inconsistências que, por sua vez, desdobraram-se em um amplo questionamento sobre os procedimentos de apuração e verificação da informação em trabalhos jornalísticos.

    Confira a seguir a primeira parte do texto integral dos jornalistas Sheila Coronel, Steve Coll e Derek Kravitz, da Escola de Jornalismo da Universidade Columbia.

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    Anatomia de uma falha jornalística
    "Rolling Stone" e Universidade de Virgínia
    O relatório da Escola de Jornalismo da Universidade Columbia

    UMA NOTA DO EDITOR: Em novembro, publicamos uma reportagem, "Um estupro no campus" [RS 1.223], que tinha como centro o horrível relato de uma estudante da Universidade de Virgínia (UVA) que supostamente havia sido vítima de um estupro coletivo em uma república no campus. Em poucos dias, a veracidade da nossa narrativa começou a ser questionada. Então, quando o "Washington Post" revelou detalhes que sugeriam que o ataque poderia não ter acontecido da maneira que nós o descrevemos, a verdade da reportagem se tornou um assunto de controvérsia nacional.

    Enquanto nos perguntávamos sobre como poderíamos ter errado na apuração, decidimos que a única coisa responsável e verossímil a fazer era pedir que alguém de fora da revista investigasse qualquer falha na reportagem, na edição e na checagem relacionadas à história. Entramos em contato com Steve Coll, reitor da Escola de Jornalismo da Universidade Columbia e repórter vencedor do Prêmio Pulitzer, que aceitou a nossa proposta. Concordamos em que iríamos colaborar plenamente, e que ele e sua equipe poderiam levar o tempo que fosse necessário e escrever o que quisessem. Eles não receberiam nenhum pagamento e nós prometemos publicar seu relatório na íntegra (uma versão condensada do material foi publicada na edição que foi às bancas em 8 de abril).

    Foi um relatório de leitura dolorosa, para mim, pessoalmente, e para todos nós na "Rolling Stone". Também é, à sua maneira, um documento fascinante -uma obra de jornalismo, como Coll o descreve, sobre uma falha de jornalismo. Com a sua publicação, estamos nos retratando oficialmente de "Um Estupro no Campus". Também estamos nos comprometendo com uma série de recomendações sobre práticas jornalísticas que são enunciadas no relatório. Gostaríamos de pedir desculpas aos nossos leitores e a todos aqueles que foram prejudicados pela nossa reportagem e por suas consequências, incluindo os integrantes da irmandade Phi Kappa Psi e os administradores e alunos da UVA. Abuso sexual é um problema sério nos campi universitários e é importante que as vítimas de estupro sintam-se tranquilas para reagir. Causa-nos tristeza pensar que a vontade que tenham de fazer isso possa ser diminuída pelas nossas falhas.

    Will Dana, editor-executivo

    "Um estupro no campus" - O que deu errado?

    Sheila Coronel, Steve Coll, Derek Kravitz

    No dia 8 de julho, Sabrina Rubin Erdely, jornalista da "Rolling Stone", telefonou para Emily Renda, sobrevivente de um estupro que trabalhava em questões de abuso sexual como integrante da equipe da Universidade de Virgínia. Erdely disse que estava procurando um caso de estupro emblemático, singular, que poderia mostrar "como é estar em um campus agora... onde não só o estupro é tão predominante, mas onde também há essa cultura generalizada do acosso sexual/estupro", de acordo com as anotações que Erderly fez sobre a conversa.

    Renda disse a Erdely que muitos casos acontecem durante festas onde "o objetivo é que todos apaguem de tão bêbados". E continuou: "Pode haver um lado muito mais escuro disso" em algumas fraternidades. "Uma garota com quem trabalhei pessoalmente disse que foi estuprada por várias pessoas no outono, antes do período de admissão de novos integrantes, e que os homens que haviam feito isso eram rapazes que ainda não faziam parte da irmandade, e que ela se lembra de que um deles dizia ao outro...: ´Vamos, cara, você não quer ser um irmão?'". Renda acrescentou: "Obviamente, talvez a lembrança que ela tem disso não seja perfeita".

    As anotações de Erdely registraram sua resposta: "Eu lhe digo que isso é totalmente plausível".

    Renda colocou a jornalista em contato com uma aluna do terceiro ano da UVA, que logo seria conhecida pelos milhões de leitores da "Rolling Stone" como "Jackie", uma versão abreviada do seu verdadeiro nome de batismo. Erdely disse posteriormente que, quando ela se encontrou com Jackie pela primeira vez, sentiu que a estudante "tinha um selo de credibilidade" porque uma funcionária da universidade havia conectado as duas. No início daquele verão, Renda tinha até prestado um depoimento a uma comissão do Senado e feito referências às acusações de Jackie durante seu testemunho -outro sinal aparente da seriedade do caso.

    "Eu estaria interessada em contar minha história, sem dúvidas", Jackie escreveu em um e-mail alguns dias depois. No dia 14 de julho, Erdely telefonou para ela. Jackie embarcou em um relato vibrante de um crime monstruoso. De acordo com as anotações de Erdely, ela disse que em setembro de 2012, no início do seu primeiro ano, um estudante do terceiro ano que ela conhecia como um companheiro que era salva-vidas no centro aquático da universidade a convidou para "minha primeira festa da irmandade". Depois da meia-noite, seu acompanhante a levou para o andar de cima do lugar da festa, para um quarto escuro. "Lembro de ter olhado o relógio, e era 12h52 quando entramos no quarto", ela contou a Erdely. Seu acompanhante fechou a porta atrás de si.

    Jackie prosseguiu, de acordo com as anotações da repórter:

    "Meus olhos estavam se acostumando à escuridão. E eu falei o nome dele e me virei... Ouvi vozes e comecei a gritar, e alguém me deu um murro e me disse para calar a boca. E foi quando eu tropecei e caí sobre a mesa de café, que se quebrou sob mim e esse outro garoto, que estava jogando seu peso sobre mim. Então um deles agarrou meus ombros... Um deles colocou a mão sobre a minha boca e eu o mordi -e ele imediatamente me deu um soco no rosto... Um deles disse: 'Segure essa perna filha da puta'. Quando ele disse isso, sabia que iriam me estuprar.

    O restante do relato de Jackie era igualmente preciso e horripilante. O salva-vidas orientava os sete rapazes enquanto eles a estupravam um após o outro. Erdely desligou o telefone "enojada e abalada", disse. Ela se lembrou de ficar "um pouco incrédula" sobre a vivacidade de alguns dos detalhes proporcionados por Jackie, como o vidro quebrado da mesa despedaçada. Mas Jackie tinha sido "segura, ela era consistente" (Jackie se negou a responder perguntas para este relatório. Seu advogado disse que "é melhor para ela se manter em silêncio no momento". As citações atribuídas a Jackie aqui vêm das anotações que Erdely disse ter digitado naquele momento ou a partir de entrevistas gravadas).

    Entre julho e outubro de 2014, segundo Erdely, ela entrevistou Jackie por mais sete vezes. A repórter se encontrava na Filadélfia e trabalhava para a "Rolling Stone" desde 2008. Sua especialidade eram relatos baseados na reconstituição de crimes, como "A Princesa Gângster de Beverly Hills", sobre uma sofisticada modelo coreana, auto-intitulada herdeira da Samsung, acusada de transportar três toneladas de maconha. Ela havia escrito sobre padres pedófilos e abuso sexual nas Forças Armadas. Will Dana, o editor-executivo da revista, considerava Erdely "uma repórter muito minuciosa e detalhista, que é capaz de navegar em reportagens extremamente difíceis com muitos pontos de vista diferentes".

    Jackie provou ser uma fonte desafiadora. Havia vezes em que não respondia às ligações, mensagens e aos e-mails de Erdely. Em dois momentos, a repórter temeu que Jackie pudesse deixar de cooperar. Jackie também se negou a fornecer a Erdely o nome do salva-vidas que havia organizado o ataque contra ela. Ela disse que ainda tinha medo dele. Isso levou a diálogos tensos entre Erdely e Jackie, mas o conflito terminou quando os editores da "Rolling Stone" decidiram continuar, sem saber o nome do salva-vidas e sem checar a sua existência. Depois dessa concessão, Jackie colaborou plenamente até a publicação da reportagem.

    Erdely acreditava piamente que o relato de Jackie era confiável. Assim como seus editores e a responsável pela checagem dos fatos da reportagem, que gastou mais de quatro horas ao telefone com Jackie, revisando cada detalhe da sua experiência. "Ela não ficava respondendo só ´sim, sim, sim`, ela me corrigia", disse a checadora. "Ela me descrevia a cena de modo muito vívido... eu não tive dúvidas." (A "Rolling Stone" pediu que a profissional não fosse identificada porque ela não tinha poder de decisão.)

    A "Rolling Stone" publicou "Um estupro no campus: um ataque brutal e uma luta por justiça na UVA" em 19 de novembro de 2014. Causou enorme repercussão. "Fiquei chocada de ter uma reportagem que se tornara viral dessa maneira", disse Erdely. "Meu telefone não parava de tocar." A versão online da reportagem terminou registrando mais de 2,7 milhões de acessos, mais do que qualquer outro texto, sem ser sobre uma celebridade, que a revista já havia publicado.

    Uma semana depois da publicação, na véspera do Dia de Ação de Graças, Erdely conversou com Jackie por telefone. "Ela me agradeceu várias vezes", disse Erdely. Jackie parecia "cheia de adrenalina... sentindo-se muito bem".

    Erdely escolheu o momento para voltar ao mistério do salva-vidas que havia ludibriado Jackie e monitorado o ataque. A falta de vontade de Jackie em identificá-lo continuava a incomodar Erdely. Aparentemente, o homem ainda era perigoso e estava livre. "Isso não será publicado", disse a repórter, segundo sua lembrança. "Você pode contar para mim?"

    Jackie deu um nome para Erdely. Mas, ao começar a digitá-lo, seus dedos se detiveram. Jackie não tinha certeza sobre como se escrevia o sobrenome do salva-vidas. Jackie cogitou em voz alta sobre possíveis variantes.

    "Um alarme disparou na minha cabeça", disse Erdely. Como Jackie poderia não saber o nome exato de alguém que diz ter cometido um crime tão terrível contra ela -um homem que ela declarou temer profundamente?

    Nos dias que se seguiram, preocupada com a integridade da sua reportagem, a jornalista investigou o nome que Jackie havia dado, mas não conseguiu confirmar que ele trabalhava na piscina, que era integrante da irmandade que Jackie havia identificado ou que tivesse ligações com Jackie ou com a sua descrição do ataque. Ela conversou sobre as suas preocupações com seus editores. Seu trabalho enfrentava novas pressões. O jornalista Richard Bradley havia publicado dúvidas especulativas sobre a plausibilidade do relato de Jackie. Profissionais da "Slate" haviam questionado a reportagem de Erdely durante uma entrevista em um podcast. Ela também soube que T. Rees Shapiro, repórter do "Washington Post", estava preparando uma reportagem baseada em entrevistas na Universidade de Virgínia que levantaria sérias dúvidas sobre o material da "Rolling Stone".

    Na noite de 4 de dezembro, Jackie mandou uma mensagem para Erdely, e a jornalista telefonou para ela. Já passava da meia-noite. "Começamos a ter uma conversa que me levou a ter sérias dúvidas", disse Erdely. Ela telefonou para o editor principal da sua reportagem, Sean Woods, e disse que tinha perdido a confiança na precisão da descrição que havia publicado sobre o ataque a Jackie. Woods, editor na "Rolling Stone" desde 2004, "estava simplesmente desnorteado", disse ele. Ele "correu para o escritório" para ajudar a decidir o que fazer. Naquele mesmo dia, a revista publicou uma nota do editor em que efetivamente se retratava da reportagem da "Rolling Stone" sobre as afirmações de Jackie em relação a seu estupro coletivo na Universidade de Virgínia. "Foi o pior dia da minha vida profissional", disse Woods.

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    A falha e suas consequências

    O repúdio da "Rolling Stone" à narrativa principal de "Um estupro no campus" é uma história de falha jornalística que era evitável. O erro incluiu reportagem, edição, supervisão editorial e verificação dos fatos. A revista descartou ou julgou desnecessárias práticas essenciais de reportagem que, se observadas, teriam provavelmente levado os editores da revista a reconsiderar a publicação da narrativa de Jackie com tanto destaque, se é que a publicariam. A história publicada passou por cima de brechas na reportagem da revista, com uso de pseudônimos e sem informar de onde vinham informações importantes.

    Em março passado, depois de quatro meses de investigação, a polícia de Charlottesville (Virgínia) disse que havia "esgotado todos os indícios de investigação" e que havia concluído que "não há base substantiva para sustentar o ocorrido descrito no artigo da ´Rolling Stone´".

    A explosão do caso é outro choque para a credibilidade do jornalismo em meio à dança das cadeiras na indústria dos meios de comunicação. As particularidades da falha da "Rolling Stone" deixam clara a necessidade de um consenso revitalizado, velho e novo, sobre quais as melhores práticas jornalísticas a serem incorporadas, em um nível de detalhes de um manual de instruções.

    Como em outras revistas e jornais impressos outrora robustos, a equipe editorial da revista "Rolling Stone" encolheu nos últimos anos com a queda da receita publicitária no impresso e a mudança para o online. As fileiras editoriais da revista em tempo integral, sem incluir equipe de arte ou de foto, encolheram cerca de 25% desde 2008. No entanto, a "Rolling Stone" continua a investir em checadores profissionais e a financiar investigações de longo prazo, como a de Erdely.

    As gravações e as entrevistas da revista com os participantes mostram que a falha de "Um Estupro no Campus" não aconteceu por falta de recursos. O problema foi a metodologia, agravada por um ambiente em que vários jornalistas com décadas de experiência coletiva falharam em explicitar e debater problemas a respeito das suas reportagens ou em prestar atenção às perguntas que receberam de um colega verificador de fatos.

    Erdely e seus editores esperavam que sua investigação fosse um alarme sobre abuso sexual no campus, que desafiaria a Virgínia e outras universidades a melhorar essa situação. Em vez disso, o erro da revista pode ter difundido a ideia de que muitas mulheres inventam acusações de estupro. (Os cientistas sociais que analisam registos criminais relatam que a taxa de relatos falsos de estupro é de 2% a 8%.) Na Universidade de Virgínia, "vai ser mais difícil agora sensibilizar algumas pessoas... porque elas têm uma noção preconcebida de que as mulheres mentem sobre abuso sexual", disse Alex Pinkleton, estudante da UVA e sobrevivente de um estupro que foi uma das fontes de Erdely.

    Houve outro efeito colateral. "Nossa reputação ficou completamente manchada", disse Stephen Scipione, presidente regional da Phi Kappa Psi, a fraternidade que Jackie identificou como local do suposto ataque que sofreu. "Um semestre das nossas vidas, especialmente da minha, foi completamente destruído. Fomos colocados na pior posição possível na nossa comunidade aqui, frente aos nossos pares e na sala de aula." A universidade também sofreu. A narrativa da "Rolling Stone" vinculou a cultura da irmandade da UVA a um crime horrendo e retratou a administração como negligente.

    Alguns funcionários da UVA, cujas ações –no caso de Jackie e em detalhes relacionados a ele– foram descritas de forma desfavorável na história, foram retratados de forma negativa e, dizem eles, erroneamente. Allen W. Groves, representante dos alunos junto à universidade, e Nicole Eramo, representante dos alunos, escreveram separadamente para os autores deste relatório que o relato de suas ações na reportagem foi impreciso.

    Em retrospecto, Dana, o editor-executivo, na "Rolling Stone" desde 1996, disse que o colapso da reportagem reflete tanto uma "falha individual" como "uma falha processual, uma falha institucional.... Cada pessoa em todos os níveis desse caso teve oportunidades de exigir um pouco mais, questionar as coisas de modo um pouco mais profundo, e isso não foi feito."

    No entanto, os editores e Erdely concluíram que sua principal falha foi a de serem demasiado complacentes com Jackie porque ela se descreveu como sobrevivente de um abuso sexual terrível. Cientistas sociais, psicólogos e especialistas em trauma que oferecem apoio a sobreviventes de estupro têm enfatizado aos jornalistas a necessidade de respeitar a autonomia das vítimas, para evitar re-traumatizá-las, e de compreender que sobreviventes de estupro são tão confiáveis em seu depoimento como vítimas de outros crimes. Essas orientações influenciaram claramente Erdely, Woods e Dana. "Em última análise, nós fomos muito deferentes com a nossa vítima de estupro; atendemos também muitos de seus pedidos na nossa reportagem", disse Woods. "Deveríamos ter sido mais duros e, ao não fazer isso, talvez lhe tenhamos feito um desserviço."

    Erdely acrescentou: "Se essa reportagem era sobre Jackie, não consigo pensar em muitas coisas que poderíamos ter feito de forma diferente... Talvez a discussão não devesse ser tanto sobre como consertá-la, mas, sim, sobre se ela estaria nessa reportagem." A reportagem de Erdely a levou a outros casos relatados como sendo de estupro na universidade, que poderiam ter ilustrado sua narrativa, embora nenhum deles fosse tão chocante e dramático como o de Jackie.

    No entanto, a explicação de que a "Rolling Stone" falhou porque foi deferente a uma vítima não explica adequadamente o que deu errado. Os registros e as entrevistas de Erdely com os participantes deixam claro que a revista não seguiu passos de reportagem importantes, mesmo quando Jackie não havia feito nenhum pedido para que freassem o trabalho. Os editores fizeram julgamentos sobre suas atribuições, verificação dos fatos e checagens que aumentaram consideravelmente os riscos de erro, mas que tinham pouco ou não tinham nada a ver com a proteção de Jackie.

    Seria lamentável que a falha da "Rolling Stone" venha a impedir jornalistas de assumir investigações de estupro de alto risco, em que indivíduos ou instituições poderosas podem querer evitar o escrutínio, mas onde os fatos podem estar pouco esclarecidos. Há claramente uma necessidade de compreender de forma mais ponderada e de debater entre jornalistas e outras pessoas sobre quais são as melhores práticas para relatar casos de sobreviventes de estupro, bem como acusações de abuso sexual que não tenham sido denunciadas. Este relatório vai sugerir caminhos a seguir. Ele também busca esclarecer, no entanto, por que a falha da "Rolling Stone", com "Um Estupro no Campus", não precisava ter acontecido, mesmo levando em consideração a sensibilidade da revista em relação à posição de Jackie. Essa é uma história, principalmente, de reportagem e edição.

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    "De que outro modo você sugere que eu descubra?"

    No momento em que os editores da "Rolling Stone" encarregaram Erdely de escrever um artigo sobre abuso sexual no campus, na primavera de 2014, casos retumbantes de estupro em Yale, Harvard, Columbia, Vanderbilt e no Estado da Flórida tinham sido manchetes por meses. O Escritório de Direitos Civis do Departamento de Educação Federal estava impulsionando faculdades a reavaliar e melhorar suas políticas. Em todo o país, os funcionários universitários tiveram que se ajustar a uma supervisão federal mais rigorosa, bem como a uma nova geração de ativistas estudantis, incluindo mulheres que declararam abertamente ter sido estupradas na escola sem ter havido justiça.

    Houve numerosos relatos de ataques no campus, casos mal resolvidos pelas universidades. Em Columbia, uma estudante arrastou um colchão pelo campus para chamar a atenção para seu caso de abuso e injustiça. Os fatos nesses casos foram, às vezes, contestados, mas haviam gerado uma onda de ativismo no campus. "Minha ideia original", disse Dana, era "pegar um desses casos e que a história fosse mais sobre o processo do que acontece quando um caso de abuso é relatado e do tipo de questões que isso traz".

    A história de Jackie parecia uma poderosa candidata para uma narrativa assim. No entanto, uma vez que ouviu a história, foi difícil para Erdely decidir o quanto poderia verificar de forma independente os detalhes que Jackie havia fornecido sem colocar em risco a cooperação dela. No final, a repórter se baseou firmemente em Jackie para ajudar na obtenção de acesso a provas e entrevistas que corroborassem o relato. Erdely pediu que Jackie a apresentasse aos amigos e à família. Ela pediu mensagens de texto para confirmar partes do depoimento de Jackie, para obter registros do emprego de Jackie no centro aquático e para seus registros de saúde. Ela até pediu para examinar o vestido vermelho manchado de sangue que Jackie disse que havia usado na noite em que disse ter sido atacada.

    Jackie deu alguma ajuda à repórter. Forneceu e-mails de um supervisor da piscina como prova de seu emprego. Apresentou Erdely a Rachel Soltis, uma companheira de primeiro ano. Soltis confirmou que em janeiro de 2013, quatro meses depois do suposto ataque, Jackie tinha dito a ela que tinha sido estuprada por várias pessoas.

    No entanto, Jackie também podia ser difícil de pressionar. Outras entrevistas que ela disse que facilitaria nunca se materializaram. "Eu me senti frustrada, mas não pensei que ela não queria apresentar" provas, disse Erdely. Em determinado momento, Jackie disse a Erdely que sua mãe tinha jogado o vestido vermelho fora. Ela também disse que a mãe estava disposta a conversar com Erdely, mas a repórter disse que, quando telefonou e deixou mensagens várias vezes, a mãe não respondeu.

    Houve uma série de maneiras pelas quais Erdely poderia ter apurado mais, por conta própria, a fim de verificar o que Jackie lhe havia dito. Ela disse à jornalista que um de seus estupradores tinha sido parte de um pequeno grupo de discussão em sua aula de antropologia. Erdely poderia ter tentado verificar, de forma independente, que tal grupo existia e identificar o jovem descrito por Jackie. Ela poderia ter olhado as redes sociais do Phi Kappa Psi para encontrar integrantes que poderia entrevistar e para buscar provas de uma festa na noite descrita por Jackie. Erdely poderia ter procurado estudantes que trabalhavam no centro aquático e buscado pistas sobre o salva-vidas descrito por Jackie.

    Qualquer um desses e de outros caminhos de reportagem teriam levado a descobertas que teriam feito a "Rolling Stone" reconsiderar seus planos. Mas três falhas no esforço de reportagem se destacam. Elas envolvem práticas básicas, até mesmo de rotina jornalística –não um trabalho de investigação especial. E se esses passos de reportagem tivessem sido seguidos, a "Rolling Stone" muito provavelmente teria evitado problemas.

    Três amigos e um "show de merda"

    Durante sua primeira entrevista, Jackie disse a Erdely que, depois que escapou da fraternidade onde sete homens, encorajados por seu acompanhante, a estupraram, ela chamou três amigos em busca de ajuda.

    Ela descreveu dois rapazes e uma mulher –agora ex-amigos, ela disse a Erdely– como Ryan, Alex e Kathryn. Ela só deu os primeiros nomes deles, de acordo com as anotações de Erdely. Ela disse que eles a encontraram nas primeiras horas de 29 de setembro de 2012, no chão do campus. Jackie disse que estava "chorando sem parar", a princípio, e que tudo o que pôde dizer foi que "algo ruim" havia acontecido. Ela disse que seus amigos entenderam que ela havia sido violentada. (Em entrevistas para este relatório, Ryan e Alex disseram que Jackie lhes disse que ela tinha sido forçada a fazer sexo oral em vários homens.) No relato de Jackie para Erdely, Ryan pediu a ela que fosse ao centro feminino da universidade ou a um hospital para receber tratamento. Mas Alex e Kathryn ficaram preocupados com o fato de que, se ela relatasse um estupro, suas vidas sociais seriam afetadas. "Ela vai ser a garota que gritou 'estupro' e nós nunca vamos ser aceitos em nenhuma fraternidade novamente", Jackie lembrou que Kathryn havia dito.

    Jackie falou de Ryan com simpatia, mas a cena que ela pintou para a jornalista da "Rolling Stone" foi desfavorável a todos os seus três ex-amigos. A prática jornalística –e a equidade básica– exigem que, se um repórter pretende publicar informações negativas sobre qualquer pessoa, ele ou ela deve procurar ouvir o lado dessa pessoa na história.

    Erdely disse que, durante a visita à UVA, pediu a Alex Pinkleton, estudante e sobrevivente de um ataque, para ajudar a identificar ou entrar em contato com os três. (Pinkleton não era o "Alex", a quem Jackie se refere em sua narrativa.) Mas Pinkleton disse que ela precisava pedir permissão a Jackie para que pudesse ajudar a repórter. Erdely não continuou com ela. Deveria ter sido possível a Erdely identificar o trio sozinha. A lista de amigos do Facebook poderia ter mostrado os nomes. Ou Erdely poderia ter pedido a ajuda de outros alunos nesse momento, além de Pinkleton.

    Em vez disso, Erdely confiou em Jackie. Em 29 de julho, ela pediu ajuda a Jackie para falar com Ryan, "para comprovar sobre aquela noite, apenas uma segunda voz?". Jackie respondeu, de acordo com as anotações da jornalista, que, apesar de "Ryan ser um pouco estranho, não entendo por que ele não faria isso". Mas Jackie não respondeu às mensagens posteriores que Erdely lhe enviou.

    Em 11 de setembro, Erdely viajou para Charlottesville e conheceu Jackie pessoalmente pela primeira vez, em um restaurante perto do campus da UVA. Com seu gravador digital ligado, a repórter perguntou novamente sobre a possibilidade de falar com Ryan. "Eu falei com Ryan", informou Jackie. Ela disse que esbarrou nele e que tinha perguntado se estaria interessado em falar com a "Rolling Stone". Jackie passou a contar a reação incrédula de Ryan: "Não... Eu estou em uma fraternidade aqui, Jackie, eu não quero que o sistema grego venha abaixo, e parece que é isso que você quer que aconteça... Eu não quero ser parte desse show de merda que você está fazendo".

    "Ryan, obviamente, está fora", Erdely disse a????? um pouco mais tarde.

    Mas Jackie nunca pediu –nem naquele momento nem depois– que a "Rolling Stone" não entrasse em contato com Ryan, Kathryn ou Alex de forma independente. "Não diria que foi por obrigação" a Jackie, Erdely disse depois. Ela se preocupava, em vez disso, com o fato de que, se "trabalho ao redor de Jackie, vou desviá-la do processo?". Jackie poderia ser difícil de controlar, o que fez Erdely temer que sua colaboração fosse instável. Mas Jackie nunca disse que pararia de colaborar se Erdely procurasse Ryan ou produzisse outra reportagem independente.

    "Eles estavam sempre na minha lista de pessoas" para rastrear, disse Erdely sobre os três. No entanto, sua preocupação em tratar da resposta da UVA para o caso de Jackie aumentou, disse. Ela não se lembra de ter uma conversa diferente sobre essa questão com Woods, seu editor. "Nós estávamos de acordo... Teríamos que deixar correr assim." Woods, no entanto, se lembra de mais de uma conversa com Erdely sobre isso. Quando Erdely disse que tinha esgotado todas as possibilidades para encontrar os amigos de Jackie, ele disse que concordou em deixar as coisas assim.

    Se Erdely tivesse entrado em contato com Ryan Duffin –seu verdadeiro nome–, ele teria dito a ela que nunca afirmou a Jackie que não iria participar do "show de merda" da "Rolling Stone", como fez em entrevista para este relatório. Toda a conversa com Ryan que Jackie descreveu a Erdely "nunca aconteceu", segundo ele. Jackie nunca havia entrado em contato com ele sobre colaborar com a "Rolling Stone". Ele não tinha visto Jackie nem havia se comunicado com ela desde abril do ano anterior, disse.

    Se Erdely tivesse conhecimento do relato de Ryan, de que Jackie havia inventado a conversa, ela teria mudado de rumo imediatamente, para investigar outros casos de estupro na UVA que não tivessem essas contradições, ela disse posteriormente.

    Se Erdely tivesse telefonado para Kathryn Hendley e Alex Stock –seus verdadeiros nomes– para checar o lado deles na história de Jackie sobre os dias 28 e 29 de setembro, eles teriam negado ter dito qualquer uma das palavras que Jackie atribuiu a eles (como Ryan). Eles teriam contado a Erdely uma história sobre comunicações com Jackie, que teria deixado a repórter com muitas novas perguntas. Por exemplo, os amigos disseram que Jackie havia dito a eles que seu acompanhante em 28 de setembro não era um salva-vidas, mas um estudante da aula de química chamado Haven Monahan. (A polícia de Charlottesville disse em março que não puderam identificar nenhum aluno da UVA nem qualquer outra pessoa chamada Haven Monahan.) Todos os três amigos teriam conversado com Erdely, segundo eles, se tivessem sido contatados.

    O episódio reafirma um truísmo da reportagem: verificação de informação desfavorável com as próprias pessoas que são alvo delas é uma questão de justiça, mas também pode produzir novos fatos surpreendentes.

    "Você pode comentar?"

    Ao longo da sua apuração, Erdely disse a Jackie e a outras pessoas que ela queria publicar o nome da fraternidade onde Jackie disse que havia sido estuprada. Erdely sentiu que Jackie "estava segura" sobre o nome da fraternidade: Phi Kappa Psi.

    Em outubro passado, quando terminava a reportagem, Erdely havia enviado um e-mail a Stephen Scipione, presidente local da Phi Kappa Psi. "Soube de acusações de estupro coletivo feitas contra a filial da Phi Kappa Psi na UVA", escreveu Erdely. "Você pode comentar essas acusações?"

    Definitivamente, essa era uma versão truncada dos fatos que Erdely acreditava ter em mãos. Ela não revelou o relato de Jackie sobre a data do ataque. Ela não revelou que Jackie disse que a Phi Kappa Psi tinha organizado uma "sessão de encontros" naquela noite, que os candidatos potenciais a ser parte da fraternidade estavam presentes ou que o homem que supostamente orquestrou o ataque era um membro da Phi Kappa Psi, que também era um salva-vidas no centro aquático da universidade. Jackie não tinha feito nenhum pedido para que a repórter não fornecesse esses detalhes para a fraternidade.

    A administração da universidade havia????? à Phi Kappa Psi, recentemente, que havia recebido uma acusação de abuso sexual na fraternidade, supostamente ocorrido em setembro de 2012. Erdely sabia que a fraternidade tinha recebido um dossiê do caso feito pela UVA, mas não sabia seu conteúdo específico. Na verdade, nesse material, Scipione disse em uma entrevista recente, a UVA informava a data do ataque como sendo em meados de setembro –não 28 de setembro. E o documento não continha os detalhes que Jackie tinha fornecido a Erdely. A universidade disse apenas que, de acordo com o relato que havia recebido, uma caloura havia bebido em uma festa, tinha subido ao andar de cima do local e havia sido forçada a fazer sexo oral com vários homens.

    Em 15 de outubro, Scipione respondeu ao pedido de Erdely para comentar o assunto. Ele tinha sido informado, escreveu para ela por e-mail, "que um indivíduo que permanece não identificado supostamente havia contado para alguém que supostamente contou à universidade que, durante uma festa, houve um abuso sexual". E acrescentou: "Mesmo essa alegação sendo de quarto grau e de não haver detalhes e de não sabermos o nome de quem denuncia, os diretores e a fraternidade como um todo estão levando isso muito a sério".

    Em seguida, Erdely telefonou para Shawn Collinsworth, então diretor-executivo nacional da Phi Kappa Psi. Collinsworth ofereceu um resumo do que a UVA tinha passado para os líderes da fraternidade: que havia acusações de um "estupro coletivo durante as festas da Phi Kappa Psi" e que um ataque "aconteceu em setembro de 2012".

    Erdely lhe perguntou, de acordo com suas anotações: "O sr. pode comentar?".

    Se Erdely tivesse fornecido a Scipione e Collinsworth todos os detalhes que possuía em vez de pedir simplesmente para que "comentassem", a fraternidade poderia ter investigado os fatos que ela apresentava. Depois da publicação da "Rolling Stone", a Phi Kappa Psi disse que fez exatamente isso. Scipione disse em uma entrevista que uma revisão de arquivos das redes sociais da fraternidade e registros bancários mostraram que a irmandade não tinha feito nenhuma sessão de encontros ou outra festa na noite em que Jackie disse ter sido estuprada. Uma comparação dos integrantes da fraternidade com registros de emprego do centro aquático mostrou que nela não havia membros que trabalharam como salva-vidas, acrescentou.

    Erdely disse que Scipione parecia "muito vago" e que então ela havia se concentrado em obter uma resposta de Collinsworth. "Senti que lhe dei todas as oportunidades de responder", ela disse. "Senti de uma maneira muito forte que ele já sabia quais eram as acusações porque tinham sido informados pela UVA." Como se viu, no entanto, a versão do ataque fornecida à Phi Kappa Psi era muito diferente e menos detalhada do que a que Jackie havia dado a Erdely.

    Scipione disse que a "Rolling Stone" não forneceu à fraternidade as informações detalhadas que solicitaram para responder adequadamente às acusações. "Foi uma besteira total", disse ele. "Eles não me disseram sobre o que iriam escrever. Não me disseram nenhuma data nem detalhe." Collinsworth disse que ele também não recebeu os detalhes do ataque, que, por fim, apareceram na revista "Rolling Stone".

    Há casos em que os repórteres podem optar por reter detalhes do que planejam escrever enquanto buscam checar seus dados, por medo de que o sujeito possa "sair na frente" e produzir uma versão favorável preventivamente. Há temas jornalísticos sofisticados em política e negócios em que, às vezes, os jornalistas se queimam dessa forma. Mesmo assim, é arriscado para um jornalista reter informação negativa sobre qualquer assunto antes de sua publicação. Aqui, aparentemente, não havia a necessidade de temer uma "largada na frente" da Phi Kappa Psi.

    Mesmo que a "Rolling Stone" não confiasse nas motivações da Phi Kappa Psi, se tivessem dado à fraternidade a oportunidade de revisar as acusações detalhadamente, as discrepâncias factuais que a irmandade provavelmente teria assinalado poderiam ter levado Erdely e seus editores a tentar verificar o relato de Jackie de forma mais exaustiva.

    O mistério de "Drew"

    Em suas entrevistas, Jackie utilizava constantemente um primeiro nome –mas sem sobrenome– do salva-vidas que ela disse ter orquestrado seu estupro. Em 16 de setembro, pela primeira vez, Erdely levantou a possibilidade de encontrar esse homem.

    "Tem alguma ideia do que ele está fazendo agora?", Erdely perguntou a Jackie, de acordo com suas anotações.

    "Não, só sei que se formou. Eu o bloqueei no Facebook", Jackie respondeu. "Uma das minhas amigas esteve à procura dele -ela queria vê-lo para que pudesse reconhecê-lo e matá-lo", disse Jackie, rindo. "Eu não podia nem olhar para a sua página no Facebook."

    "Como você se sentiria se eu entrasse em contato com ele para comentar o assunto?", perguntou Erdely, de acordo com suas anotações.

    "Não tenho certeza sobre se me sentiria confortável com isso."

    Esse intercâmbio deu início a uma batalha de seis semanas entre Erdely e Jackie. Por um tempo, Erdely teve a sensação de que o impasse poderia fazer com que Jackie deixasse de colaborar completamente.

    Em 20 de outubro, Erdely pediu o sobrenome do homem novamente. "Não vou usar o seu nome no artigo, mas tenho que fazer meu trabalho de qualquer maneira", disse Erdely a Jackie, de acordo com as anotações da jornalista. "Imagino que ele não vai dizer nada, mas é algo que preciso fazer."

    "Não quero dar seu sobrenome", Jackie respondeu. "Não quero nem envolvê-lo nisso... Ele me assusta completamente. Nunca tive tanto medo de uma pessoa em toda a minha vida, e nunca quis contar seu sobrenome a ninguém. Eu... acho que parte de mim pensava que ele nem sequer teria conhecimento do artigo".

    "É claro que ele vai saber sobre o artigo", disse Erdely. "Ele vai ler o artigo. Provavelmente já saiba sobre ele."

    Jackie parecia chocada, de acordo com as anotações de Erdely. "Eu não quero ser a pessoa que deu seu nome", disse Jackie.

    "De que outra forma você sugere que eu descubra?"

    "Acho que você poderia pedir a lista da Phi Kappa Psi para eles", sugeriu Jackie.

    Depois dessa conversa, Jackie parou de responder às ligações e mensagens de Erdely. "Houve um momento em que ela desapareceu por cerca de duas semanas", Erdely disse, "e ficamos muito preocupados" com o bem-estar dela. "Seu comportamento parecia consistente com o de uma vítima de um trauma."

    Mas Jackie não fez nenhuma exigência de que a "Rolling Stone" não tentasse identificar o salva-vidas de forma independente. Ela ainda sugeriu uma maneira de fazê-lo –verificando a lista de integrantes da fraternidade. Nem condicionou sua participação na história ao fato de Erdely concordar em não tentar identificar o salva-vidas.

    Erdely tentou identificar o homem por conta própria. Ela perguntou aos amigos de Jackie se eles poderiam ajudá-la. Eles fizeram objeções. Ela fez uma busca online para ver se as pistas que tinha poderiam lhe dar um nome completo. Não deu em nada de caráter definitivo. "Ela era muito agressiva em relação à tarefa de contatar" o salva-vidas, disse Pinkleton, um dos alunos a quem Erdely pediu ajuda.

    Com o benefício da retrospectiva, para ter sucesso, Erdely provavelmente teria de convencer os alunos a acessar registros de emprego do centro aquático, para encontrar possíveis correspondências de nomes. Isso teria necessitado tempo e sorte.

    Até o final do outubro, com a história programada para fechar em apenas duas semanas, Jackie ainda se recusava a responder textos e recados de Erdely. Finalmente, no dia 3 de novembro, após consultar seus editores, Erdely deixou uma mensagem para Jackie em que lhe propunha uma "solução" que permitiria à "Rolling Stone" evitar entrar em contato com o salva-vidas no final das contas. A revista iria usar um pseudônimo; "Drew" foi o nome que acabou sendo escolhido.

    Depois que Erdely deixou essa mensagem de capitulação, Jackie retornou a ligação rapidamente. De acordo com Erdely, ela agora falava sem problemas sobre o salva-vidas, ainda sem usar seu sobrenome. Daquele momento em diante, e até a publicação da história, Jackie colaborou.

    Em dezembro, Jackie disse em uma entrevista ao "The Washington Post" que, depois de várias entrevistas com Erdely, ela pediu para sair da história, mas que Erdely tinha dito que não. Jackie disse ao "Post" que depois ela concordou em participar, sob a condição de ser autorizada a checar fatos da sua história. Erdely disse em uma entrevista para este relatório que estava completamente surpresa com as declarações de Jackie para o "Post" e que Jackie nunca disse a ela que queria sair da história. Não há nenhuma evidência de tal conversa entre Jackie e Erdely nos materiais que Erdely submeteu à "Rolling Stone".

    Havia, de fato, um salva-vidas do centro aquático que havia trabalhado na piscina na mesma época de Jackie e que tinha o primeiro nome que ela usou com Erdely. Mas ele não era um membro da Phi Kappa Psi. A polícia o entrevistou e analisou seus registros pessoais. Não encontraram nenhuma evidência que o ligasse ao ataque de Jackie.

    Se a "Rolling Stone" houvesse localizado o rapaz e ouvido sua resposta às acusações de Jackie, incluindo o fato verificável de que ele não pertencia à Phi Kappa Psi, isso poderia ter levado Erdely a reconsiderar seu foco sobre esse caso. Mas a "Rolling Stone" parou de buscá-lo.

    *

    "O que eles estão escondendo?"

    "Um Estupro no Campus" tinha ambições que iam além de narrar o ataque a uma mulher. Foi concebida como uma investigação sobre como as faculdades lidam com a violência sexual. A ideia foi oportuna. Os sistemas implantados pelas faculdades para lidar com a má conduta sexual têm estado sob intenso escrutínio. Esses sistemas são obras em andamento, enredadas nas mutantes e às vezes contraditórias leis federais que procuram, ao mesmo tempo, manter os alunos seguros, encontrar responsáveis e proteger a privacidade de cada aluno.

    As questões legais datam de 1977, quando cinco estudantes processaram a Universidade de Yale, alegando que haviam sido violentadas. As alunas invocaram o Título IX das Emendas de Educação de 1972, uma lei federal que proíbe a discriminação de gênero na educação. Elas perderam o caso, mas seu argumento –de que o assédio sexual e a violência no campus ameaçavam o acesso das mulheres à educação– prevaleceu ao longo do tempo. Em meados da década de 80, centenas de faculdades adotaram procedimentos para gerenciar más condutas sexuais, de assédios a estupro. Se as universidades não conseguissem fazer isso adequadamente, poderiam perder financiamento federal.

    No final de 2009, o Centro para a Integridade Pública começou a publicar uma série de artigos que ajudaram a estimular diretrizes federais ainda mais rigorosas. Os artigos revelaram problemas com a primeira geração pós-resposta do campus: investigações malfeitas por funcionários sem treinamento, processos de acusação envoltos em segredos e sanções tão ausentes que, às vezes, permitia-se que estupradores, incluindo os reincidentes, permanecessem no campus, enquanto suas vítimas abandonavam a escola.

    A administração Obama assumiu a causa. Pressionou faculdades a adotar sistemas mais rigorosos e estabeleceu um limiar inferior de culpabilidade para condenar um estudante nos tribunais escolares. A nova pressão causou confusão, no entanto, e, em alguns casos, trouxe injustiças. Em outubro passado, um grupo de professores da escola de direito de Harvard escreveu que a revisão das políticas da universidade em relação à má conduta sexual era um "alijamento do equilíbrio e da equidade, fruto da pressa em acalmar alguns funcionários da administração federal".

    A escolha de Erdely, da Universidade de Virgínia como um estudo de caso, foi oportuna. Na semana em que ela visitou campus, um estudante de 18 anos, do segundo ano da UVA, havia desaparecido e depois se soube que havia sido sequestrado e morto. A universidade tinha até então sofrido uma série de casos de violência sexual altamente visíveis. O Escritório de Direitos Civis do Departamento de Educação tinha colocado a escola, ao lado de outras 54, sob uma ampla revisão de critérios.

    "O ponto primordial do artigo", escreveu Erdely em resposta às perguntas do "Washington Post" em dezembro passado, não era Jackie, mas "a cultura que recebeu Jackie e tantas outras mulheres que entrevistei na UVA, que vieram à luz com acusações, mas só receberam indiferença."

    Erdely viu sua reportagem sobre a UVA como um estudo, disse ela em uma entrevista para este relatório, sobre "a forma como as faculdades lidam com esses tipos de coisas". Jackie "foi só o exemplo mais dramático".

    "Um efeito inibidor"

    Depois de ter ouvido a história chocante de Jackie, Erdely enfatizou a obrigação de as universidades sob lei federal emitirem alertas quando há uma ameaça "séria ou continua" à segurança do aluno. Erdely entendeu, a partir do que disse Jackie, que, oito meses após a suposta agressão, ela havia relatado à UVA que tinha sido estuprada no território da Phi Kappa Psi no campus, no que parecia ser um ritual do trote. A universidade, informou a "Rolling Stone" em sua reportagem publicada, foi negligente ao não alertar seus alunos sobre essa fraternidade aparentemente predatória.

    De acordo com a polícia de Charlottesville, Jackie se encontrou com a representante dos estudantes Nicole Eramo em 20 de maio de 2013. Durante essa reunião, Jackie descreveu seu ataque de forma diferente do que ela mais tarde contaria a Erdely, de acordo com a polícia, que se recusou a fornecer detalhes. Segundo membros da comunidade da UVA bem informados sobre o caso, que pediram para não ser identificados a fim de falar sobre assuntos confidenciais da universidade, Jackie contou a Eramo a mesma história que havia dito a seus amigos na noite de 28 de setembro: que havia sido forçada a ter sexo oral com vários homens ao mesmo tempo em uma festa da fraternidade. Jackie não revelou o nome da fraternidade onde o ataque havia ocorrido nem forneceu nomes ou detalhes dos seus agressores, disseram as fontes. Não foi feita nenhuma menção a trote. (Citando a privacidade do aluno e as investigações em curso, a administração da UVA, por meio de sua assessoria de comunicação, se recusou a responder a perguntas sobre o caso.)

    Ao longo dos anos, o Departamento de Educação emitiu orientações que enfatizam a confidencialidade da vítima e sua autonomia. Isso significa que sobreviventes decidem se desejam contar o que lhes aconteceu e que tipo de assistência gostariam de receber. "Se ela não identificou nenhum indivíduo ou organização grega pelo nome, a universidade estava muito, muito limitada quanto ao que poderia fazer", disse S. Daniel Carter, um defensor da segurança no campus e diretor da organização sem fins lucrativos 32ª Iniciativa Nacional de Segurança no Campus.

    Como foi relatado pela "Rolling Stone", no encontro de maio de 2013, Eramo apresentou a Jackie as opções que tinha: relatar a agressão à polícia ou ao Conselho de Má Conduta Sexual da universidade. Ela também ofereceu acompanhamento profissional e outros serviços. Durante semanas consecutivas, perguntou a Jackie se queria tomar alguma atitude. Ela apresentou Jackie ao grupo One Less (Uma a Menos), formado por estudantes que havia passado por abusos sexuais e seus advogados.

    A universidade não emitiu um aviso nesse momento porque Jackie não apresentou uma queixa formal e seu relato não incluía os nomes dos agressores ou uma fraternidade específica, de acordo com as fontes da UVA. Também não fazia menções a trote.

    Entre aquele momento e abril de 2014, a universidade não recebeu nenhuma informação adicional sobre o caso de Jackie, de acordo com a polícia e com as fontes da UVA.

    Em 21 de abril de 2014, Jackie novamente se reuniu com Eramo, de acordo com a polícia. Ela disse à representante que estava sob pressão por conta do seu ativismo, visível no campus com grupos de prevenção a ataques como o Take Back the Night (Recupere a noite), de acordo com as fontes da UVA. Três semanas atrás, ela contou, havia sido atingida no rosto por uma garrafa jogada por acossadores do lado de fora de um bar em Charlottesville. Ela também acrescentou uma nova informação sobre seu relato anterior do estupro coletivo. Identificou como Phi Kappa Psi como a fraternidade onde o ataque tinha ocorrido, disse a polícia depois. Além disso, ela mencionou a Eramo outras duas estudantes que também haviam sido estupradas na fraternidade, segundo ela. Mas não revelou os nomes dessas mulheres nem detalhes sobre os ataques sofridos.

    Quando há informação verossímil sobre vários atos de violência sexual realizados por um mesmo autor e que podem colocar os alunos em risco, o Departamento de Educação orienta que a universidade deve tomar medidas mesmo quando não há uma queixa formal. A escola também deve considerar a possibilidade de emitir um aviso de segurança pública. Uma vez mais, a Universidade de Virgínia não emitiu nenhum aviso. Se a administração deveria ter feito isso, dada a informação que possuía naquele momento, é uma questão em estudo pelo Conselho de Visitantes que governa a Universidade de Virgínia, com o auxílio da averiguação e análise do escritório de advocacia O'Melveny & Myers. (Em 30 de março, a UVA atualizou sua política em relação a agressão sexual e incluiu procedimentos mais claros para a avaliação de ameaças e de emissão de alertas em tempo oportuno.)

    No dia seguinte do seu encontro com Eramo, Jackie se reuniu com a polícia de Charlottesville e da UVA em uma reunião organizada pela representante. Jackie relatou tanto o incidente com a garrafa como o ataque na casa da Phi Kappa Psi. A polícia disse mais tarde que ela se recusou a fornecer detalhes sobre o estupro coletivo porque "temia retaliação da fraternidade se avançasse para uma investigação criminal". A polícia também disse ter encontrado discrepâncias significativas no relato de Jackie sobre o dia em que teria sido atingida pela garrafa.

    Naquele verão, Erdely começou a entrevistar vários sobreviventes de ataques na UVA. As autoridades da universidade ainda esperavam que Jackie e as outras duas vítimas que ela havia mencionado apresentassem acusações formais, de acordo com as fontes da UVA. Erdely sabia disso: em 14 de julho, Emily Renda, que havia se formado em maio e conseguido um emprego no escritório de assuntos estudantis da universidade, disse à repórter que poderia ser uma imprudência da "Rolling Stone" citar a Phi Kappa Psi na reportagem, porque "há duas outras mulheres que não se manifestaram totalmente ainda e estamos tentando convencê-las a obter medidas punitivas contra a fraternidade". Renda escreveu mais tarde, em um e-mail para este relatório, que ela tinha tentado dissuadir a jornalista "por causa de preocupações relacionadas ao devido andamento do processo legal e também porque acusações públicas a uma fraternidade podem tanto evitar justiças futuras, como também infringir seus direitos". O aviso de Renda para Erdely –um aviso de uma funcionária da UVA de que a Phi Kappa Psi estava sob escrutínio da universidade em relação a acusações feitas por Jackie e por outras duas pessoas– aumentou a impressão de que a narrativa de Jackie com relação à UVA era confiável.

    Como pôde ser visto depois, no entanto, todas as informações que a repórter, Renda e a UVA possuíam sobre as duas outras vítimas mencionadas vieram unicamente de Jackie. Uma das mulheres apresentou uma denúncia anônima através do sistema online da UVA –Jackie disse a Erdely que estava lá quando a estudante apertou o botão "enviar"–, mas nenhuma das mulheres foi ouvida desde então.

    "Eu tenho medo de que possa parecer que estamos tentando esconder alguma coisa"

    No início de setembro, Erdely pediu para entrevistar Eramo. O pedido criou um dilema para a UVA. As universidades devem cumprir um conjunto de leis federais que limitam o que podem difundir sobre seus alunos. A mais importante delas é a Lei de Privacidade e Direitos Educacionais da Família, ou Ferpa, que protege a privacidade do estudante e pode dificultar que membros da equipe da universidade possam liberar registros ou responder a perguntas sobre qualquer inscrito.

    Eramo estava disposta a falar se não fosse indagada sobre casos específicos, e sim sobre situações hipotéticas, como Erdely tinha habilmente sugerido, a fim de contornar as limitações de privacidade do aluno.

    "A partir do fato de que [Erdely] foi encaminhada a mim pelos estudantes que entrevistou, tenho medo que possa parecer que estamos tentando esconder alguma coisa se eu não falar com ela", disse Eramo em um e-mail para a equipe de comunicação da UVA, recentemente liberado como resultado de um pedido da Lei de Liberdade de Informação.

    O departamento de comunicação aprovou a entrevista, mas a vice-presidente da Vida Estudantil, Patricia Lampkin, vetou a ideia. "Isso não reflete o que pensa Nicole [Eramo]", escreveu ela em um e-mail, "mas sim a questão e como os repórteres transformam a questão." Instada a esclarecer essa declaração para esta revisão, Lampkin disse que sentiu que, dadas as restrições da Ferpa, não havia nada que Eramo pudesse dizer na entrevista que desse a Erdely "uma visão completa e equilibrada da situação".

    A desconfiança era mútua. "Eu tinha ido ao campus achando que eles realmente iriam ajudar muito", disse Erdely. Agora ela sentia que estavam tentando bloqueá-la. Entre outras coisas, ela disse que Jackie e Alex Pinkleton lhe haviam contado que, depois que a "Rolling Stone" havia começado a fazer perguntas no campus, os administradores da UVA haviam contatado a Phi Kappa Psi pela primeira vez para conversar sobre as acusações de violência sexual na casa da fraternidade.

    Para Erdely, a UVA parecia estar em uma atitude de controle de danos. "Então pensei que, em vez de ser cética em relação a Jackie", disse ela, "me tornei cética em relação à UVA... O que estão se escondendo e por que agem dessa maneira?".

    É verdade que a UVA não entrou em contato com a Phi Kappa Psi até Erdely aparecer no campus. Algumas fontes universitárias ofereceram uma explicação. Disseram que os administradores tinham cogitado suspender a ata da fraternidade, mas isso significaria que a universidade não supervisionaria a Phi Kappa Psi. Eles também haviam descartado entrar em contato com a fraternidade no verão, na esperança de que Jackie e as outras supostas vítimas apresentassem acusações formais. Se isso não tivesse acontecido, eles decidiriam agir mesmo antes de Erdely começar a fazer perguntas, de acordo com essas fontes. (Até o momento de elaboração deste relatório, a universidade não tinha apresentado nenhuma prova documental que sustentasse essa sequência de decisões descritas pelas fontes.) Em todo caso, havia razões para que a "Rolling Stone" fosse cética. O histórico da UVA sobre como lida com casos de má conduta sexual é problemático, como Erdely ilustrou em outros casos sobre os quais informou.

    Em 2 de outubro, Erdely entrevistou a presidente da UVA, Teresa Sullivan. A repórter fez perguntas investigativas, que revelaram a diferença entre o número de casos de violência que a universidade informa publicamente e os casos levados a conhecimento da universidade internamente. Erdely descreveu as leves sanções dadas a estudantes considerados culpados de má conduta sexual. Ela perguntou sobre as acusações de estupro coletivo na Phi Kappa Psi. Sullivan disse que uma fraternidade estava sendo investigada, mas se recusou a fazer comentários sobre casos específicos.

    Após o recente anúncio feito pela polícia de Charlottesville de que não puderam encontrar nenhuma base para o relato da "Rolling Stone" sobre o ataque a Jackie, Sullivan divulgou um comunicado. "A investigação confirma o que a lei federal de privacidade proibiu a universidade de difundir no no ano passado: que a universidade ofereceu apoio e tratamento para um estudante em necessidade, incluindo assistência para levar uma potencial conduta criminosa à Justiça", ela disse.

    Erdely concluiu que a UVA não tinha feito o suficiente. "Ao haver julgado que presumivelmente não havia nenhuma ameaça", escreveu ela na reportagem publicada, a UVA "não tomou nenhuma ação para alertar o campus que uma acusação de estupro coletivo havia sido feita contra uma fraternidade na ativa". Em geral, ela escreveu, "estupros são mantidos em silêncio" na UVA, em parte por causa de "uma administração que os críticos dizem estar menos preocupada em proteger os alunos do que proteger sua própria reputação de escândalos".

    Durante os seis meses em que trabalhou na história, Erdely concentrou sua apuração nas perspectivas das vítimas de violência sexual na Universidade de Virgínia e em outros campi. Ela foi movida por suas experiências e diversas frustrações. Seu acesso aos pontos de vista dos administradores da UVA era muito mais limitado, em parte porque alguns deles não foram autorizados a falar com ela, mas também porque Erdely começou a vê-los como obstáculos para sua reportagem.

    Na visão de algumas das fontes de Erdely, o retrato que ela compôs foi injusto e equivocado. "A resposta da universidade não é 'Nós não nos importamos`", disse Pinkleton, confidente de Jackie e integrante da One Less. "Quando contei sobre meu próprio caso, eles imediatamente me assistiram."

    Por sua vez, Eramo rejeita a sugestão, feita pelo artigo, de que a UVA coloca a sua própria reputação acima da proteção de seus alunos. Em um e-mail fornecido por seus advogados, a representante escreveu que o artigo lhe atribui falsamente declarações que ela nunca fez (a Jackie ou a quem quer fosse) e que isso "banaliza a complexidade de prestar apoio especializado em traumas a sobreviventes e as dificuldades reais inerentes ao equilíbrio entre o respeito ao desejo dos sobreviventes e, ao mesmo tempo, a garantia de segurança às nossas comunidades".

    "A UVA ainda precisa melhorar muito em relação a prevenção e resposta a esses casos, como a maioria, se não todas, as faculdades", disse Sara Surface, estudante que é copresidente da Coalizão de Prevenção da Violência Sexual da UVA. E acrescentou: "Os administradores e funcionários que trabalham diretamente com esse tema e que trabalham pela defesa dos sobreviventes não estão mais interessados na reputação da faculdade do que no bem-estar dos seus alunos."

    *

    A edição: "Desejaria ter sido mais exigido"

    Sean Woods, o editor principal de Erdely, poderia ter evitado o desmentido cabal do relato de Jackie se houvesse pressionando sua jornalista a preencher as lacunas da sua apuração. Ele começou sua carreira no jornalismo musical, mas editou reportagens complexas na "Rolling Stones" por anos. Repórteres investigativos que trabalham em histórias difíceis, com alto conteúdo emocional ou de controvérsia, muitas vezes têm pontos cegos. Cabe a seus editores insistir em mais ligações a celulares, mais viagens, mais tempo, até que a apuração esteja completa. Woods não fez o suficiente.

    O fundador da "Rolling Stone", Jann Wenner, disse que normalmente lê cerca de metade das reportagens de cada edição antes de sua publicação. Ele leu um rascunho da narrativa de Erdely e achou o caso de Jackie "extremamente forte, poderoso, provocante... Achei que tínhamos algo realmente bom aí". Mas Wenner deixa a supervisão editorial detalhada para o editor-executivo Will Dana, na revista por quase duas décadas. Dana poderia ter olhado os rascunhos da reportagem que leu com maior profundidade, poderia ter assinalado as lacunas de informação e insistir para que fossem corrigidas. Ele não fez isso. "É meu trabalho", disse Dana. "Eu sou responsável."

    Em retrospectiva, a decisão que trouxe maiores consequências para a "Rolling Stone" foi aceitar que Erdely não tivesse entrado em contato com os três amigos que falaram com Jackie na noite em que ela disse ter sido estuprada. Esse teria sido o caminho da apuração que, se tomado, teria quase certamente feito com que os editores da revista mudassem de plano.

    Erdely disse que, quando estava se preparando para escrever a primeira versão da reportagem, falou com Woods sobre os três amigos. "Sean me aconselhou a, pelo menos por aquele momento, deixar isso de lado", disse ela. "Na verdade, ele sugeriu que eu mudasse seus nomes temporariamente." Woods disse que sua ideia era de que essa decisão seria temporária, enquanto aguardavam novas apurações e a revisão.

    Erdely usou pseudônimos em seu primeiro rascunho: "Randall", "Cindy" e "Andrew". Ela se baseou exclusivamente nas informações de Jackie e escreveu vigorosamente sobre como os três amigos tinham reagido depois de encontrar Jackie abalada e chorando nas primeiras horas de 29 de setembro:

    O grupo se entreolhou em pânico. Todos eles sabiam do programa de Jackie aquela noite no Phi Kappa Psi, a casa se agigantava aos seus olhos. "Temos de levá-la ao hospital", disse Randall. Os outros dois amigos, no entanto, não estavam tão convencidos. "Isso é uma boa ideia?", contrapôs Cindy... "Sua reputação estará destruída pelos próximos quatro anos." Andrew apoiou a opinião. Os três amigos deram início a uma discussão acalorada sobre o preço social de relatar o estupro de Jackie, enquanto Jackie permanecia atrás deles, muda em seu vestido ensanguentado.

    Erdely colocou uma nota no rascunho, em negrito: "ela diz -tudo do seu POV (acrônimo utilizado em inglês para ponto de vista)", para indicar aos seus editores que o diálogo tinha vindo apenas de Jackie.

    "Vendo o caso em retrospectiva, gostaria de ter sido mais exigida" a contatar os três para ouvir suas versões, disse Erdely. "Acho que talvez tenha ficado surpresa que ninguém tenha dito: 'Por que você não telefonou para eles?` Mas ninguém fez isso, e eu não ia fazer pressão sobre isso." Claro, só porque um editor não pede a um repórter que cheque informações negativas com um sujeito, isso não absolve o repórter de responsabilidade.
    Woods lembrou-se da sucessão de fatos de forma diferente. Depois de ler o primeiro rascunho, ele disse: "Eu pedi a Sabrina para ir atrás" dos três amigos. "Ela disse que não podia... Eu perguntei várias vezes: 'Podemos falar com essas pessoas? Podemos? E me foi dito que não." Ele aceitou isso porque: "Senti que tinha o suficiente". A prova documental fornecida pela "Rolling Stone" não lança luz sobre qual das duas narrativas –a de Erdely ou a de Wood– é correta.

    Woods disse que aprovou o uso de pseudônimos, no final, porque não queria constranger os três estudantes a ficarem expostos a todos os amigos e colegas de classe. "Eu queria protegê-los", disse.

    Por sua vez, Dana disse que não se lembrava de alguma vez ter conversado com Woods ou com Erdely sobre os três amigos.

    CONTINUA

    Tradução: Denise Mota

    vera guimarães martins

    Escreveu até julho de 2016

    Jornalista, foi ombudsman da Folha. Atualmente é repórter especial. Está no jornal desde 1990.

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