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    Vera Guimarães Martins

    Continuação: Universidade Columbia analisa erros da 'Rolling Stone' em reportagem

    02/08/2015 02h00

    A coluna publicada em 2/8 cita relatório sobre a sequência de erros que culminou em reportagem de grande repercussão da revista norte-americana "Rolling Stone" sobre um suposto estupro em uma universidade.

    Após a publicação, a reportagem revelou inconsistências que, por sua vez, desdobraram-se em um amplo questionamento sobre os procedimentos de apuração e verificação da informação em trabalhos jornalísticos.

    Confira a segunda parte do texto integral dos jornalistas Sheila Coronel, Steve Coll e Derek Kravitz, da Escola de Jornalismo da Universidade Columbia.

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    "Precisamos checar isso"

    Nenhum dos editores conversou com Erdely se a Phi Kappa Psi ou a UVA, ao serem indagadas a fazer "comentários", tinham recebido detalhes suficientes sobre a narrativa de Jackie, de modo a poder apontar lacunas ou contradições. Erdely nunca tratou do assunto com seus editores.

    Quanto a "Drew," o salva-vidas, Dana disse que não sabia que a "Rolling Stone" não tinha o nome completo do homem e que não tinha confirmado a sua existência. Nem lhe disseram que "nós tínhamos feito todo tipo de acordo com Jackie para não tentar encontrar essa pessoa".

    Como pôde ser visto, não havia um acordo tão explícito entre Erdely e Jackie. De acordo com os registros da repórter. Jackie pediu que ela não entrasse em contato com o salva-vidas, mas não houve um acordo.

    "Você pode telefonar para o centro aquático? Você pode ligar para a fraternidade? Você pode olhar os anuários?", Woods lembrou de haver pedido a Erdely depois de ler o primeiro rascunho. "Se a reportagem terá Jackie como centro, tudo bem, mas precisamos verificar isso", em relação à identidade de Drew. Ele recorda ter tido essa discussão "pelo menos, três vezes".

    Mas quando Jackie parou de responder às mensagens de Erdely no final de outubro, Woods e Dana desistiram. Eles autorizaram a repórter a dizer a Jackie que iriam parar de tentar encontrar o salva-vidas. Woods resolveu a questão como havia feito antes com os três amigos: usando um pseudônimo na reportagem.

    "Eu acreditava"

    Em jornalismo, não é possível chegar a todas as fontes que um repórter ou editor possam desejar. A solução é ser transparente com os leitores sobre o que se sabe ou não se sabe no momento da publicação.

    Há uma tensão na edição de revistas e narrativas entre a elaboração de uma história legível –uma história que flua– e forneça atribuições claras de citações e fatos. Pode ficar feio e perturbador escrever "ela disse" o tempo todo. No jornalismo de revista, deve haver espaço para diversas vozes narrativas _se a apuração subjacente for sólida. Mas as falhas de transparência mais flagrantes em "Um Estupro no Campus" não podem ser atribuídas ao estilo de escrita. Elas ofuscaram problemas importantes com a apuração da história.

    Os editores da "Rolling Stone" não deixaram claro para os leitores que Erdely e seus editores não sabiam o nome verdadeiro de "Drew", não tinham falado com ele nem conseguido verificar que ele existia. Isso era fundamental para a compreensão dos leitores. Em um rascunho da reportagem, Erdely fez uma revelação. Ela escreveu que Jackie "se recusa a dar o nome completo [de Drew] para a ´RS`", porque é "dominada por temores que mal consegue articular". Woods cortou esse trecho no momento da edição. Ele chegou a refletir "sobre adicionar a passagem novamente", mas "no final, decidiu que não".

    Woods permitiu a citação do "show de merda", de "Randall", na história, sem deixar claro que Erdely não havia obtido essa afirmação dele, mas de Jackie. "Eu fiz essa ligação", disse Woods. Isso não só induziu os leitores a erro sobre as origens da citação, mas deu a falsa impressão de que a "Rolling Stone" sabia quem "Randall" era e que havia procurado ouvir o seu lado e o dos outros amigos na história.

    Os editores investiram a reputação da "Rolling Stone" em uma única fonte. "Sabrina é uma jornalista com quem trabalho há tanto tempo, em quem acredito tanto, que realmente confiei em seu julgamento de que o relato de Jackie era verossímil", disse Woods. "Perguntei-lhe sobre isso várias vezes, e ela sempre disse que a considerava completamente confiável."

    Woods e Erdely sabiam que Jackie tinha falado sobre o ataque sofrido com outros ativistas no campus, com pelo menos uma colega de quarto e com a UVA. Eles não podiam imaginar que Jackie iria inventar uma história dessas. Woods disse que tanto ele como Erdely "chegaram à decisão de que essa pessoa estava dizendo a verdade". Eles a viam como uma delatora que estava lutando contra a indiferença e a inércia na universidade.

    O problema do viés confirmatório –a tendência de as pessoas terminarem presas a suposições preexistentes e de selecionarem fatos que sustentam os seus próprios pontos de vista, enquanto ignoram elementos contraditórios– é uma descoberta bastante conhecida da ciência social. Parece ter sido um fator aqui. Erdely acreditava que a universidade estava obstruindo a Justiça. Sentia que havia sido bloqueada. Como muitas outras universidades, a UVA teve um registro falho de gerenciamento de casos de violência sexual. A experiência de Jackie parecia confirmar esse amplo padrão. Sua história parecia ser algo estabelecido no campus, repetido e aceito.

    "Se eu tivesse sido informado com antecedência sobre algum problema ou discrepância em relação à sua história como um todo, teríamos reagido sobre isso de forma muito agressiva", disse Dana. "Havia muitas outras histórias que poderíamos ter contado nessa reportagem." Se alguém houvesse levantado dúvidas sobre quão verificável era a narrativa de Jackie, seu caso poderia ter sido resumido "em um parágrafo no meio da reportagem".

    Nenhuma dessas dúvidas lhe foram comunicadas, disse ele. Quanto às aparentes lacunas na apuração, na atribuição das citações e na verificação, que se acumularam nos rascunhos da reportagem, Dana disse: "Eu acreditava que, depois de passar pela verificação de fatos, tudo isso estaria corrigido".

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    Verificação de fatos: "Acima da minha tabela de remuneração"

    Na "Rolling Stone", toda reportagem é dada a um verificador de fatos. Em jornais, agências de notícias e redações online, não há uma função semelhante à de checador em uma revista. Nos jornais, os repórteres e editores na linha de frente da produção são responsáveis pela exatidão e integridade das reportagens. Os departamentos de checagem das revistas normalmente contratam repórteres mais jovens ou recém-formados. O trabalho deles é revisar a reportagem de um jornalista depois que o rascunho está pronto, para fazer uma dupla checagem de detalhes como datas e descrições físicas. Eles também observam questões como a atribuição das citações e se os sujeitos que foram retratados de forma desfavorável na reportagem foram ouvidos. Normalmente, os checadores falam com as fontes do jornalista, às vezes incluindo fontes confidenciais, para verificar fatos mencionados entre aspas e outros detalhes. Para que possam ser eficazes, os checadores devem ter o poder de contestar decisões de jornalistas e editores, que podem ser muito mais altos hierarquicamente e experientes.

    Nesse caso, a checadora atribuída a "Um Estupro no Campus" tinha trabalhado na verificação de reportagens como freelancer para a revista por cerca de três anos, e tinha sido efetivada na equipe há um ano e meio. Ela confiou totalmente em Jackie, como Erdely havia feito. Disse que também estava "ciente do fato de que a UVA acreditava que a história dela era verdade". Isso foi um mal-entendido. O que a "Rolling Stone" sabia no momento da publicação era que Jackie tinha dado uma versão do seu relato para a UVA e outros ativistas estudantis. Uma funcionária da universidade, Renda, tinha feito referência a esse relato em depoimento a um comitê. A UVA tinha colocado a Phi Kappa Psi sob escrutínio. Nada disso significava que a universidade havia chegado a uma conclusão sobre a narrativa de Jackie. A checadora não forneceu à escola os detalhes do depoimento que Jackie deu a Erdely sobre a agressão sofrida no Phi Kappa Psi.

    A verificadora tentou melhorar a apuração e a atribuição de citações referentes aos três amigos. Ela assinalou em um rascunho que Ryan –"Randall", sob pseudônimo– não havia sido entrevistado e que suas aspas sobre o "show de merda" haviam vindo de Jackie. "Atribuo isso a Jackie?", a checadora escreveu. "Podemos confirmar com ele, de alguma forma?" Ela disse que falou sobre esse problema de clareza com Woods e Erdely. "Eu tentei... Eles chegaram à conclusão de que estavam tranquilos" com o fato de não deixar claro para os leitores que nunca haviam entrado em contato com Ryan.

    Ela não levou suas preocupações à chefe, Coco McPherson, que dirige o departamento de checagem. "Instruí os integrantes da minha equipe a me procurar quando têm problemas ou estão preocupados ou sentem que necessitam ajuda", disse McPherson. "Isso não aconteceu." Indagada sobre se havia alguma coisa sobre a qual deveria ter sido notificada, McPherson respondeu: "A resposta óbvia são os três amigos. As decisões de não entrar em contato com essas pessoas foram tomadas por editores que estão acima da minha tabela de remuneração".

    McPherson leu o rascunho final. Era uma reportagem complexa, provocante, baseada essencialmente em uma única fonte. Ela disse mais tarde que acreditava em todos os envolvidos e que não viu a necessidade de levantar nenhuma questão com os editores. Ela era a chefe do departamento responsável, em última instância, pela verificação dos fatos.

    Natalie Krodel, advogada da Wenner Media, fez uma revisão legal da história antes de sua publicação. Krodel estava na equipe há vários anos e geralmente tratava de cerca de metade dos materiais pré-publicação da "Rolling Stone". O trabalho era dividido com a advogada geral Dana Rosen. vNão fica claro quais questões a advogada pode ter levantado a partir do rascunho. Erdely e os editores envolvidos se recusaram a responder perguntas sobre as especificidades da revisão legal, citando instruções da advogada externa da revista, Elizabeth McNamara, uma das sócias da Davis Wright Tremaine. McNamara disse que a "Rolling Stone" não iria responder perguntas sobre a revisão legal de "Um Estupro no Campus", a fim de proteger o privilégio da relação advogado-cliente.

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    A nota do editor: "Eu fiquei muito irritado"

    Em 5 de dezembro, após a declaração feita no início da manhã por Erdely de que ela tinha perdido a confiança em sua fonte, a "Rolling Stone" publicou uma nota do editor em seu site que anulou efetivamente a apuração da revista sobre o caso de Jackie.

    A nota foi escrita e publicada às pressas. Os editores tinham a informação de que o "Washington Post" estava tentando publicar uma reportagem naquele mesmo dia em que questionava o relato da revista. Eles também tinham a informação de que a Phi Kappa Psi difundiria um comunicado contestando alguns dos fatos narrados pela "Rolling Stone". Dana disse que não havia tempo para realizar uma "investigação forense" dos elementos abordados na reportagem. Ele escreveu a nota do editor "muito rapidamente" e "sob muita pressão".

    A nota foi publicada ao redor do meio-dia, com a sua assinatura. "Em face de novas informações, parece haver discrepâncias agora no relato de Jackie, e chegamos à conclusão de que a nossa confiança nela foi descabida", dizia. Essa linguagem desviava a culpa da revista para o sujeito no centro do seu trabalho e causou ainda mais críticas. Dana disse que lamentou sua redação inicial. "Eu estava extremamente irritado", ele disse. "Rapidamente me arrependi de haver usado essas palavras." No início daquela noite, ele mudou de rumo em uma série de tweets. "Essa falha tem a ver conosco _não com ela", escreveu. Uma nota do editor da revista, usando linguagem similar, foi publicada no dia seguinte.

    No entanto, a versão final ainda se esforçou em defender o desempenho da "Rolling Stone". Ela dizia que os amigos de Jackie e os ativistas estudantis da UVA "apoiaram totalmente seu relato". Isso implicava que esses amigos tinham conhecimento direto do estupro relatado. Na verdade, os alunos apoiaram Jackie como sobrevivente, amiga e colega de luta pela reformação do campus. Eles tinham ouvido a sua história, mas eles não poderiam confirmar isso sozinhos.

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    Olhar para a frente

    Para a "Rolling Stone": Um lapso excepcional ou uma falha de princípios?

    O colapso de "Um Estupro no Campus" não envolve os tipos de fabricação de notícias por repórteres que ocorreram em alguns outros casos infames de derrocada jornalística. Em 2003, o repórter do "New York Times" Jayson Blair renunciou depois que seus editores concluíram que ele havia inventado histórias de cabo a rabo. Em fevereiro, a NBC News suspendeu o âncora Brian Williams depois de ele haver admitido que exagerou nas informações que deu em suas reportagens de guerra no Iraque. Não há nenhuma evidência nos materiais de Erdely ou nas entrevistas feitas com seus personagens de que haja inventado fatos; o problema foi que ela se baseou no que Jackie lhe disse sem se ater à precisão.

    "Está sendo uma experiência extraordinariamente dolorosa e humilhante", disse Woods. "Aprendi que mesmo as pessoas mais confiáveis e experientes –incluindo, talvez sobretudo, a mim mesmo– podem cometer graves erros de julgamento."

    No entanto, os editores seniores da "Rolling Stone" são unânimes na crença de que o fracasso da reportagem não os obriga a mudar seus sistemas editoriais. "Não acho que precisamos reformar nosso processo e não acho que precisamos necessariamente instituir um monte de novas formas de fazer as coisas", disse Dana. "Só temos que fazer o que sempre fizemos e apenas ter certeza de não cometer esse erro novamente." Coco McPherson, a chefe da verificação de fatos, disse: "Eu penso 100% que as diretrizes que temos não falharam. Acho que as decisões foram tomadas dessa maneira por causa do assunto".

    Ainda assim, diretrizes mais claras e melhores sobre práticas de apuração, pseudônimos e atribuição de citações poderiam ter evitado os erros da revista. O departamento de verificação deveria ter sido mais assertivo ao questionar as decisões editoriais sobre as quais a checadora da história justificadamente levantou dúvidas. Dana disse que não sabia de lacunas de reportagem, como a falta de contato com os três amigos ou a decisão de usar atribuições enganosas para esconder esse fato.

    Diretrizes mais fortes e uma compreensão mais clara da equipe em pelo menos três áreas poderiam ter mudado o resultado final:

    Pseudônimos. Dana, Woods e McPherson disseram que o uso de pseudônimos na "Rolling Stone" é uma questão "caso a caso" que não requer nenhuma convocação especial ou avaliação. Em si, os pseudônimos são indesejáveis em jornalismo. Eles introduzem a ficção e pedem que os leitores confiem que esse é o único caso em que a publicação está inventando detalhes voluntariamente. Sua utilização nesse caso foi uma muleta –permitiu que a revista evitasse resolver seus problemas de falta de informação. A "Rolling Stone" deve considerar bani-los. Se seus editores acreditam que os pseudônimos são uma ferramenta indispensável para suas formas de escrita narrativa, a revista deve considerar seu uso muito mais raramente e só depois de exaustivas discussões sobre alternativas, nas quais a dissidência seja incentivada.

    Checagem de informações negativas. Erdely e Woods fizeram o fatídico acordo de não checar as informações com os três amigos. Se o departamento de verificação de fatos tivesse considerado essa prática inaceitável, o resultado poderia ter sido outro.

    Checagem de detalhes com pessoas. Quando Erdely foi em busca de "comentários", ela perdeu a oportunidade de ouvir refutações detalhadas e desafiadoras da Phi Kappa Psi antes da publicação. A checadora se baseou apenas nas conversas de Erdely com a fraternidade e não confirmou de forma independente com a Phi Kappa Psi a história que a "Rolling Stone" pretendia publicar sobre o ataque a Jackie. Se tanto a repórter como a checadora entendessem que, por política da revista, deviam, como rotina, compartilhar detalhes específicos e negativos com os alvos das suas reportagens, a "Rolling Stone" poderia ter guinado para uma direção diferente.

    Para jornalistas: Reportagens sobre estupro no campus

    A "Rolling Stone" não é a primeira organização de notícias a ser duramente criticada por suas reportagens sobre estupro. De todos os crimes, o estupro talvez seja o mais difícil de cobrir. As dificuldades comuns enfrentadas pelos jornalistas –incluindo provas escassas e relatos conflitantes– podem ser ampliadas em um ambiente universitário. Escrever sobre um caso que não foi investigado e julgado, como a "Rolling Stone" fez, pode ser ainda mais desafiador.

    Existem várias áreas que requerem cuidados e devem ser objeto de debate contínuo entre os jornalistas:

    Equilibrar sensibilidade em relação às vítimas e as exigências de verificação. Ao longo dos anos, os especialistas em trauma e os grupos de apoio a sobreviventes têm ajudado os jornalistas a entender a vergonha ligada ao estupro e a impotência e culpa que podem atingir as vítimas, particularmente as jovens. Devido ao fato de que questionar o relato de uma vítima pode ser traumático, os especialistas têm alertado os jornalistas para que permitam aos sobreviventes algum controle sobre suas próprias histórias. Esse é um bom conselho. No entanto, não traz benefícios à vítima que os jornalistas que documentam seus casos evitem práticas rigorosas de verificação. Isso só faz sujeitar a vítima a maiores observação e ceticismo.

    Os problemas surgem quando os termos do pacto entre o sobrevivente e o jornalista não são explícitos. Kristen Lombardi, que passou um ano e meio fazendo reportagens para uma série do Centro de Integridade Pública sobre agressão sexual no campus, disse ter deixado explícito às mulheres que entrevistou que o processo de apuração exigia que ela obtivesse documentos, coletasse provas e falasse com tantas pessoas envolvidas no caso como fosse possível, incluindo o acusado. No prefácio das suas entrevistas, ela assegurava às mulheres que acreditava nelas, mas que era do interesse delas mostrar que não havia dúvidas sobre a veracidade das suas narrativas. Ela também permitiu às vítimas um pouco de controle sobre as entrevistas, incluindo o estabelecimento da hora, local e ritmo das conversas. Se uma mulher não estava pronta para esse processo, disse Lombardi, ela se dispunha a ir embora sem problemas.

    Corroborar os relatos das vítimas. Walt Bogdanich, um repórter investigativo vencedor do Prêmio Pulitzer pelo "New York Times", que passou os últimos dois anos fazendo apurações sobre estupro em campus, disse que tenta rastrear todos os fragmentos disponíveis de evidência de corroboração –registros hospitalares, telefonemas para a polícia, mensagens de texto ou e-mails enviados imediatamente após o crime. Em alguns casos, é possível obter vídeos, seja de câmaras de segurança ou de telefones celulares.

    Muitos ataques acontecem ou começam em lugares semipúblicos, como bares, festas ou repúblicas. "A violência sexual no campus, provavelmente, tem mais testemunhas, espectadores etc. do que a violência em outros contextos", disse Elana Newman, professora de psicologia da Universidade de Tulsa, que deu assessoria a jornalistas sobre trauma. "Isso pode ser útil para que os jornalistas pensem sobre todos os sinais precoces e sintomas" e sobre as pessoas que viram ou ignoram o caso logo no início, disse ela.

    Cada caso de estupro tem múltiplas narrativas, afirmou Newman. "Se há inconsistências, explique essas inconsistências." Os repórteres também devem levar em consideração que o trauma pode prejudicar a memória da vítima e que essa pode ser uma razão para relatos fragmentados e contraditórios.

    As vítimas muitas vezes interagem com funcionários, conselheiros e membros da equipe de residências. "Sempre achei que as pessoas mais dispostas a falar são esses funcionários imediatos", disse Lombardi, que afirmou ter telefonado ou visitado fontes potenciais em casa e que conversou com eles nos bastidores, por causa de suas preocupações sobre a privacidade do aluno.

    As restrições da Ferpa são duras, mas a lei permite aos alunos acessarem seus próprios registros escolares. Os estudantes de universidades públicas também podem assinar renúncias de privacidade que permitiriam aos jornalistas obter seus registros, incluindo arquivos de casos e relatórios.

    Além disso, há uma exceção na Ferpa: em casos de agressão sexual que tenham chegado a uma decisão final e no qual um estudante haja sido considerado responsável, as autoridades do campus podem divulgar o nome do aluno, a violação cometida e qualquer sanção imposta. (O Student Press Law Center oferece bons conselhos sobre como navegar pela Ferpa.)

    Manter as instituições no relato. Dadas as dificuldades, os jornalistas raramente estão em condições de provar a culpa ou a inocência em um estupro. "O valor real do que fazemos como jornalistas é analisar a resposta das instituições à acusação", disse Bogdanich. Essa abordagem também pode fazer com que seja mais fácil convencer tanto vítimas como autores a falar. Lombardi disse que as mulheres que entrevistou estavam dispostas a ajudar, porque o foco era como o sistema funcionava ou não funcionava. O acusado, por sua vez, muitas vezes se dispunha a falar sobre falhas visíveis do processo de julgamento.

    Para ter sucesso nessa apuração, é necessário possuir uma compreensão profunda do emaranhado de regras e diretrizes sobre agressão sexual em faculdades. Existem o Título IX, a Lei Clery e a Lei de Violência contra as Mulheres. Existem diretrizes do Escritório de Direitos Civis e recomendações da Casa Branca. O Congresso e os legislativos estaduais estão propondo novas leis.

    A responsabilidade das universidades na prevenção da violência sexual no campus –e os padrões de desempenho aos quais elas deviam se ater– são questões importantes de interesse público. A "Rolling Stone" estava certa em escolhê-los. O padrão da sua falha traça um mapa de como fazer isso melhor.

    vera guimarães martins

    Escreveu até julho de 2016

    Jornalista, foi ombudsman da Folha. Atualmente é repórter especial. Está no jornal desde 1990.

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