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    Vera Guimarães Martins

    Cajadada (e cenoura) para todos os coelhos

    13/12/2015 02h00

    Escândalo de corrupção, pedidos de cassação do presidente da Câmara e de impeachment do presidente da República. O país já enfrentou todas essas situações, mas nunca ao mesmo tempo, como agora. A imprensa já roteirizou esses filmes, mas fazia neles um papel mais confortável. Não havia internet, e o impresso vivia dias melhores.

    Quando estourava notícia quente no meio da noite, o jornal aumentava o número de páginas. Agora, a regra é adaptar o conteúdo ao espaço existente, mesmo que isso implique a derrubada de reportagens que já circularam na primeira edição, enviada aos lugares mais distantes. Quando o tempo esquenta, o improviso dá o tom, e as chances de erro se multiplicam.

    Foi o que ocorreu na terça (8), com a revelação tardia da carta de Michel Temer. O jornal teve que mudar a "Primeira Página" e a cobertura de "Poder". A edição ganhou em temperatura, mas perdeu em equilíbrio; ficou meio Frankenstein.

    Caiu a reportagem sobre a entrevista coletiva de Dilma, mas ficaram suas fotos, inclusive na capa: uma imagem algo suplicante. Ok que a situação da mandatária está a anos-luz de ser tranquila, mas por que o ar contrito e lamentoso?

    A escolha abria margem para leituras à esquerda e à direita: o desabafo do vice colocara Dilma, a mentirosa, nas cordas, ou ela era vítima de um traidor de olho no seu cargo?

    A manchete extrapolou, indo bem além das tamancas: "Temer acusa Dilma de mentir". Hein? De novo, ok que ambos estão longe de compartilhar o mesmo lanche (até porque o disputam), mas onde estavam na carta os trechos que permitiam usar termos como acusar e mentir?

    Linguagem importa muito na política –e o peemedebista, doutor em direito, mede cada palavra. Linguagem importa mais (ou deveria) no jornalismo, a quem cabe reproduzir o mais fielmente possível os fatos.

    Em condições normais de temperatura e pressão, é a temperatura jornalística que se impõe; vale a notícia mais "quente". Ou seja, faria todo sentido derrubar o texto do discurso de Dilma para publicar a íntegra da carta do vice –ela fala sempre e nada disse de excepcional; ele, num ato inédito, soltou o verbo.

    Essa lógica deixa de ser tão "lógica" num cenário de divisão política. Mesmo que a balança da opinião pública penda mais para um lado, e isso é fato, quem tem como meta o jornalismo imparcial tem que garantir espaço para os dois pratos.

    Esse dilema é menor no digital, mas não deixa de existir. Na internet, tudo cabe e entra a qualquer hora, mas a prodigalidade se traduz num mar de informação que pode deixar o leitor à deriva ou matá-lo afogado. Nem ali se prescinde da curadoria do conteúdo, e a busca do equilíbrio se dá na homepage, a "capa" do jornal digital, onde se deve garantir espaço balanceado.

    A empreitada é difícil e nem sempre recompensada. Haverá leitores reclamando do espaço concedido a este ou àquele, mas, como se diz no mundo dos cartoons, "sorry, folks". Na vida real é mais difícil saber quem é o coelho e quem é o caçador.

    Reprodução
    Primeira página da edição nacional
    Primeira página da edição nacional
    Reprodução
    Primeira página da edição de São Paulo
    Primeira página da edição de São Paulo
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    Capa do carderno Poder na edição nacional
    Capa do carderno Poder na edição nacional
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    Capa do carderno Poder na edição nacional
    Capa do carderno Poder na edição de São Paulo
    Reprodução
    Página 5 da edição nacional
    Página 5 da edição nacional
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    Página 5 da edição nacional
    Página 5 da edição de São Paulo

    vera guimarães martins

    Escreveu até julho de 2016

    Jornalista, foi ombudsman da Folha. Atualmente é repórter especial. Está no jornal desde 1990.

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