Sobre a reportagem "Joaquim Barbosa teria deixado de pagar imposto de imóvel na Flórida" (dia 3/4 no digital e 4/4 no impresso), o ex-presidente do STF divulgou uma carta aberta dirigida à Folha, que publico abaixo.
Para contexto, nela Barbosa se refere também à reportagem original, produzida pelo jornal "Miami Herald" em colaboração com profissionais do UOL. Na matéria em link, o caso é explicado em detalhes e a nota do ex-ministro foi reproduzida na íntegra.
A reportagem sobre o ex-ministro é parte do projeto "Panama Paper", do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos, que se debruça sobre documentos vazados do escritório panamenho Mossack Ferreira, especializado em abrir empresas offshore para clientes do mundo todo. Ao fim da nota, indico mais dois links complementares.
Carta à Folha de S.Paulo
Em uma clara demonstração de irresponsabilidade jornalística e falta de profissionalismo que não raro marcam a linha editorial desse jornal, a edição que circula em algumas regiões do país nesta segunda-feira, 4/4/16, traz lado a lado na página 9 a minha fotografia e a de duas pessoas oficialmente suspeitas da prática de crimes graves –uma já denunciada por corrupção e lavagem de dinheiro e a outra, ainda sob investigação em inquérito policial. [Nota: a foto circulou apenas na primeira edição do jornal].
O objetivo do jornal, evidentemente, é associar a minha pessoa e o meu nome a essas práticas criminosas.
Recapitulo brevemente os fatos.
No meio da semana passada, o repórter André Shalders, do UOL Brasília, procurou pessoa da minha confiança a pedido de Nicholas Nehamas, repórter do jornal "Miami Herald", para tratar de matéria que este último estava elaborando sobre suposto não pagamento por mim de um tributo denominado "stamp tax", relativo à compra de um apartamento de quarto e sala que efetuei na cidade de Miami em 2012.
O tributo seria no montante de US$ 2.000,00 (dois mil dólares norte-americanos), soma nada expressiva se comparada ao valor de compra do imóvel (US$ 335.000,00) e ao montante que pago anualmente a título de imposto incidente sobre a referida propriedade (mais de U$ 6.000,00 no ano de 2015)
Ainda na semana passada enviei ao repórter a seguinte resposta:
1) numa transação imobiliária nos EUA o comprador não paga o valor da transação diretamente ao vendedor; paga a uma empresa cujo nome técnico é "title company". É essa empresa que fica incumbida de verificar o histórico legal do imóvel, se existe algum ônus jurídico sobre ele;
2) a transação em si é protegida por um seguro;
3) a "title company" é quem passa o dinheiro da compra ao vendedor, remunerando-se;
4) o imóvel foi pago mediante transferência bancária direta da minha conta no BB em Brasília à "title company" que cuidou da transação em Miami;
5) o último imposto incidente sobre o imóvel ("property tax") foi pago em novembro de 2015 (informação que pode ser obtida online no site do Miami Dade County);
6) qualquer corretor de imóveis com acesso ao sistema do MLS sabe o valor que foi pago pelo imóvel em 2012 e o valor de mercado hoje
No momento em que foi efetuada a compra do imóvel, no ano de 2012, paguei todas as taxas e comissões que são cobradas em transações da espécie no Estado da Flórida, por intermédio das empresas e profissionais do ramo regularmente credenciados pelo Estado para esse tipo de transação. Desde então, todos os anos, as autoridades administrativas e fiscais da Flórida enviam-me por via postal os boletos relativos aos tributos anuais ordinários e extraordinários incidentes sobre o imóvel, e eu os pago nos prazos estipulados.
Noutras palavras, se e quando o Estado da Flórida tiver alguma obrigação tributária principal ou acessória a cobrar do contribuinte, saberá como e onde fazê-lo".
Pois bem. Na tarde do último domingo, dia 3/4/16, tomei conhecimento de matéria publicada no UOL (portal que integra o Grupo Folha) sob assinatura do mesmo André Shalders e do experiente jornalista Fernando Rodrigues, na qual se bate na mesma tecla já explorada pelo "Miami Herald".
Na noite do mesmo domingo rebati via redes sociais (Twitter) o conteúdo das duas matérias e ainda forneci algumas informações importantes, dentre as quais:
1) o valor efetivo da transação imobiliária realizada em 2012;
2) o fato de a aquisição ter sido feita por meio de duas pessoas jurídicas que constituí com a finalidade única de adquirir o referido imóvel;
3) que tal cautela, que não configura qualquer ilegalidade, se justifica à luz das sérias implicações legais de ordem fiscal e sucessória que podem advir de um investimento dessa natureza no exterior;
4) o fato de que efetivei o pagamento via transferência bancária efetivada a partir de conta que detenho no Banco do Brasil em Brasília;
5) que a transação e a propriedade do imóvel foram informadas à Receita Federal em tempo devido e constam desde então em todas as minhas declarações de imposto de renda.
Atente-se para a precariedade da matéria, baseada exclusivamente nas palavras de um suposto advogado da Flórida, que não apresenta qualquer prova, qualquer documento em apoio às suas especulações. E mais: no próprio texto da matéria do "Herald" está dito que, consultadas, as autoridades fiscais do Estado americano disseram expressamente que não costumam fazer qualquer tipo de comentário sobre temas dessa natureza.
A questão toda é de uma frivolidade impressionante. Explico. Em qualquer parte do mundo, quando alguém deve algum tributo ao Estado, este envia ao contribuinte uma notificação para pagamento dentro de um determinado prazo. Se o contribuinte concorda, promove o pagamento. Se não concorda, contesta a exigência estatal pela via judicial ou pela via administrativa. EU NUNCA RECEBI QUALQUER NOTIFICAÇÃO OU COBRANÇA a respeito desse suposto tributo não pago.
Aproveito para enviar o link do Tesouro estadual da Flórida, no qual se pode ler com toda a clareza que NÃO HÁ QUALQUER DÉBITO PENDENTE em relação ao imóvel de minha propriedade - informação válida para os anos de 2010, 2011, 2012, 2013, 2014 e 2015.
Peço a devida retificação, informando que a matéria hoje publicada causa-me sérios danos de ordem patrimonial, moral, profissional e de ordem íntima.
Atenciosamente,
Joaquim Barbosa, advogado
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Se você quer saber mais sobre o "Panamá Papers", consulte este link e este link.
Jornalista, foi ombudsman da Folha. Atualmente é repórter especial. Está no jornal desde 1990.