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    Vinicius Mota

    Renunciar, verbo apassivado

    21/09/2015 02h00

    SÃO PAULO - Quando se trata de Dilma Rousseff, é bom ter cautela nas conclusões, mas ela parece ter compreendido o poder que a renúncia lhe dá. A hipótese de entregar o boné aplacou a sabotagem contra o Planalto que Lula e o PT praticam.

    Os companheiros vinham malhando todo ensaio de medida restritiva adotado por seu próprio governo. Na Argentina, 11 dias atrás, Lula condenou o ajuste fiscal.

    Preservar a conduta dúbia seria ideal para o lulismo. Manter-se-ia desobstruído o escape de emergência, em caso de impeachment, para um período de recolhimento de cacos em que tudo seria terrível para o PT, menos a faculdade de discursar como vítima de "golpismo", na oposição a um governo também obrigado a conduzir ações impopulares.

    A renúncia da presidente, contudo, anularia até mesmo esse prêmio de consolação ao petismo. Como posar de injustiçado se a criatura voluntariamente desistir de governar? Como opor-se de corpo e alma a algo que terá sobrevindo diante da assunção incontestável de incapacidade?

    Lula despenhou-se para Brasília quando começou a cair a ficha de que a renúncia poderia ser uma atitude de rebelião de Dilma contra o progressivo isolamento imposto pelo seu criador. O ex-presidente engoliu tudo o que dissera –como de hábito– e cerrou fileiras com o esfolamento tributário da população, proposto por um palácio atarantado.

    Para o enredo de saída do PT, Dilma precisa ser a mártir do impeachment. A presidente decifrou o jogo e chacoalhou a seu favor a bandeira da renúncia, embora ainda não tenha chegado ao ponto em que abandonar o cargo passa a ser uma cogitação diária do governante acuado.

    Quando essa fase começa, o verbo renunciar deixa de ser conjugado apenas na voz ativa. O mandatário, mais ou menos como o paciente terminal diante do suicídio assistido, pondera se é melhor "ser renunciado" e evitar humilhação maior.

    vinicius mota

    É secretário de Redação da Folha. Foi editor de Opinião (coordenador dos editoriais) e do caderno 'Mundo'.
    Escreve às segundas-feiras.

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