SÃO PAULO - Um novo aumento da Cide, tributo sobre o comércio da gasolina, será resposta provável ao impasse do ajuste fiscal no Congresso. Ninguém acredita na aprovação da CPMF, que depende de 60% dos votos na Câmara e no Senado, em duas votações.
A Cide, que pode subir por uma simples canetada do governo, seria substituto menos potente que o imposto do cheque para elevar a arrecadação. Teria um impacto mais direto, contudo, na inflação.
A inflação tem sido o desaguadouro desse estado de fibrilação que afeta as lideranças nacionais. O Banco Central jogou a toalha no controle da carestia, o governo e o Congresso capitularam no equilíbrio das contas públicas, empresários e trabalhadores desistiram de cobrar respostas de Brasília nos próximos três anos.
Estão todos à espera dos bárbaros, para voltar ao clichê erudito. Como no poema do grego Kaváfis, o Senado deixou de legislar, o imperador de imperar, os oradores de discursar na expectativa da invasão que, entretanto, não acontecerá.
O FMI e seus sarracenos neoliberais não romperão o portão, ao menos não tão cedo, para nos ordenar o que fazer. Dentro das muralhas, qual a peste negra no medievo europeu, a inflação fará o serviço, com seus efeitos aleatórios sobre a sociedade cujos líderes esperam inertes.
Vinte anos depois do Real, foi-se a memória imunológica que permitia a significativas parcelas dos cidadãos mitigar os danos na renda e no patrimônio produzidos pela aceleração de preços. Não se veem, por exemplo, categorias de trabalhadores a demandar discussões salariais mais frequentes do que o dissídio anual.
Ainda há tempo, portanto, para organizar a casa e fazer as coisas voltarem a funcionar com o mínimo de racionalidade. Quando os anticorpos inflacionários estivem ativos novamente, entraremos no mundo mágico do fetichismo monetário, de onde sair é muito difícil e custoso.
É secretário de Redação da Folha. Foi editor de Opinião (coordenador dos editoriais) e do caderno 'Mundo'.
Escreve às segundas-feiras.