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    Vinicius Mota

    Dilma ainda não perdeu

    03/12/2015 10h39

    A presidente Dilma Rousseff realizou na noite desta quarta (2) um dos melhores discursos de seu mandato. Concisa, solene, dura e direta, a fala destoou do padrão confuso e tartamudeante que marca a oratória presidencial.

    Não há em mim nenhuma nódoa de corrupção, o que me diferencia do chantagista que deflagrou o impeachment e de tantos outros que tombam diante das leis penais. Eis o mote da intervenção de Dilma, que meneia como trunfo indiscutível a sua honra até aqui impoluta.

    A presidente lembra, e deverá enfatizar diariamente, que defenestrá-la não será como depor um desacreditado Collor de Mello. É real o risco de afastar alguém incorrupto e dar lugar a um vice sobre quem a Lava Jato ainda poderá trazer surpresas.

    A presidente vai cair, entretanto, se circunscrever a sua defesa ao aspecto ético e biográfico. Será deposta, e depressa, caso centre fogo no presidente da Câmara, a esta altura uma nota de rodapé da história, um cadáver político que queimou seu último cartucho antes de ser empurrado para o precipício.

    Para evitar o desfecho humilhante, Dilma precisa entender a natureza do jogo que acaba de começar. Não se trata de obter na Câmara os 171 votos -ironicamente, o número do artigo que no Código Penal tipifica o estelionato- suficientes para mantê-la no Planalto. Nenhuma reforma tradicional de ministérios, com distribuição de cargos e da raspa do tacho do Tesouro em troca de apoio vai salvar o pescoço presidencial.

    Essa lógica mesquinha colocou em importantes ministérios algumas figuras cavernosas da baixíssima oligarquia. Alimentou, em vez de inibir, a degradação geral que nos conduziu até as portas do impeachment.

    A guerra, presidente, é pela restauração da esperança nacional. É pela devolução da confiança no governo de um país continental, populoso e economicamente relevante.

    A segunda lição a aprender é dolorosa e preconiza uma transformação ascética a que poucas lideranças aceitariam submeter-se. Os remédios e os quadros necessários para conduzir os assuntos públicos daqui para a frente estão do outro lado da rua, na franja do PMDB subitamente convertida ao liberalismo e no PSDB.

    Dilma pode resistir de braços dados com o PT, mas não vai evitar que a agenda desses adversários se imponha, mais cedo (pelo impeachment) ou mais tarde (pelas derrotas do petismo nas eleições e nos tribunais).

    Enquanto durar a resistência dessa maneira, a presidente submeterá as finanças públicas e a economia a doses extras e desnecessárias de sofrimento.

    Alternativamente, Dilma Rousseff pode, imbuída de profunda humildade e genuína autocrítica, atravessar a rua e propor um governo de coalizão, para começar já, com os melhores quadros daqueles grupos hoje seus rivais, abraçando diretrizes definidas no programa antipetista "Ponte para o Futuro", lavrado pelo peemedebismo em torno de Michel Temer.

    Neste caso, como antídoto para os efeitos colaterais da "despetização" do governo, Dilma Rousseff terá na manga a carta da renúncia, tudo o que Lula e o PT não desejam.

    Como a presidente pôde perceber nesta semana, seu partido e seu padrinho não estão preocupados com a sua deposição, mas sim com a narrativa da queda: haverá de ser pela via do impeachment, para produzir uma mártir e um discurso oposicionista que ajudem a evitar o fratricídio da legenda durante a travessia do deserto, que se aproxima no horizonte.

    Dilma não precisa caminhar docemente para a pedra sacrificial como um cordeiro de Lula. Basta erguer a cabeça, perceber para onde está navegando o transatlântico brasileiro e tentar incluir-se, ainda com certo protagonismo, nessa mudança histórica de curso.

    vinicius mota

    É secretário de Redação da Folha. Foi editor de Opinião (coordenador dos editoriais) e do caderno 'Mundo'.
    Escreve às segundas-feiras.

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